domingo, 7 de maio de 2017

Uma carta de fã para Belchior
Acordei tão feliz naquele domingo. No sábado, fui dormir ouvindo "Como os nossos pais", até cheguei a postar no twitter por volta das 2:12h da manhã "Eles venceram e o sinal está fechado pra nós/que somos jovens..." tinha tomado umas cervejas pensando aonde ia parar o nosso país. Na mesma noite, também vi aquele vídeo lindo de Bel, cantando com Elba, Geraldo, Alceu, Moraes Moreira e Lenine "A vida de um viajante", que primor.
Recebi a notícia tomando café, uma ligação de Higo Lima, usando palavras de navalha "Belchior se foi". O maior ídolo que eu tive na vida tinha morrido. Responsável por várias influências musicais e literárias da minha formação. Fiquei dilacerada na mesma hora e só poderia ser mentira. O Jornal O Povo dava apenas 3 linhas e prometia voltar em breve. No twitter, algumas pessoas já comentavam, outras desconfiavam, seria a maior barrigada - expressão que a gente ama usar no jornalismo - do ano? Acho que até o plantonista do feriadão queria que fosse. Preferiria o erro a tragédia. Mas aos poucos veio a confirmação, não era a notícia do encantamento de um mito, mas do fim de um sonho.
Acredito, que no fundo, todos esperávamos e queríamos tudo, tudo outra vez. A gente sonhava e temia que Belchior não voltasse, mas jamais pensávamos que ele poderia morrer. Difícil explicar isso, mas a sensação é que sua obra nunca tinha estado tão viva como nos últimos anos. O movimento #VoltaBelchior ganhava corpo e a mídia não cansava de cobrar a sua volta; vide as homenagens no último outubro, seu aniversário de 70 anos, ou as comemorações sobre o álbum Alucinação.
O país foi tomado por uma comoção que eu não via fazia tempo. Jornalistas emocionados, fãs órfãos, amigos incrédulos. Difícil entender porque ele não voltou antes? Se compreendermos a sua obra, não é. Não adianta criar ilusões se o coração não suporta o dia a dia. Belchior era alucinado. Viveu sua obra ao pé da letra, como poucos tem coragem de ir, ele foi e não olhou pra trás.
Tudo que queria era ser livre, ainda que preso a um grande amor. Escreveu tudo que foi - um poeta coerente.
Hoje, uma semana depois de tudo, todos os jornais do país colhem informações em busca de uma justificativa. De onde artistas consagrados da música como Ana Carolina, Daniela Mercury e até Fagner que em seu último álbum gravou Paralelas, conseguiram autorização para gravar suas músicas recentemente? Pra onde ia o dinheiro que o Ecad repassava pelos seus direitos autoriais? Por que ele fez isso? O que ele fez nesse tempo? O que produziu? Quem vai lançar? Edna será nossa Yoko Ono?
Belchior mitou. Virou estrela.
Eu sempre o amei. As suas canções e palavras sempre decidiram a minha vida. Sempre me curaram de dores, medos, angústias e momentos de solidão. Eu sempre estava ouvindo, lendo e tentando me alimentar daqueles sentimentos tão parecidos e desesperados como os meus. Inquieto. E continuarei. Assim como sua obra continuará.
A coerência de Belchior sempre me fascinou. A cada entrevista, as mesmas palavras, os mesmos medos, as mesmas piadas. Até na hora de morrer ele foi coerente, morreu do coração. A principal veia do corpo rompeu e Belchior explodiu. Sua obra ainda me fará sentir muitas emoções e me provocará muitas desobediências. A sua voz vai ecoar cortando almas cada vez mais forte, como nesta semana, quando liderou o iTunes, o Spotify, o Letras, o Vagalume e todos os portais de música existentes. Enquanto todo mundo ouvia durante a semana, eu não consegui. Mas sei que agora ele canta muito mais.
Belchior viveu como alma desejou. De forma inteira, entregue e selvagem.
Assim, como devemos viver.