terça-feira, 28 de julho de 2009

Romance

‘Quant' eu vos amo, esto certo sey eu’, os versos do poeta- rei Dinis relata bem o amor de Tristão e Isolda. A história de amor mais lendária da época Medieval. Tristão, um simples cavaleiro, e Isolda, a bela princesa Irlandesa, casada com o Rei Marcos, para complicar mais ainda. Um amor trágico, proibido, clássico. Um amor como não poderia deixar de ser. Casto, idealizado.

Faz tempo que venho me prendendo ao cinema nacional e Vladimir Brichta, Wagner Moura e Letícia Sabatella me fazem feliz. Romance. O filme mais lindo que vi nos últimos tempos, que se fosse encenado por Richard Gere, Julia Roberts e Tom Cruise não seria perfeito como é. E entendam a comparação. Até porque prefiro os nossos.

As explosões são de emoção. Os barulhos são suspiros. As batalhas de desejo. As cenas no Nordeste. O sexo doce no palco de um teatro. Libertino, excitante.

Eu espero tudo de Wagner Moura. Sou apaixonada por ele. Seja como o empresário - sedutor Olavo da novela das 8h, seja como o marrento Capitão Nascimento, em tropa de Elite, seja como Hamlet no teatro. O andar, a voz, as mãos grandes, o olhar fatal. É tão inteligente que chega a ser estúpido. Dono de um corpo escultural. Charmoso. Sexy. Sedutor. Ele não precisa de nenhum retoque. Se eu fosse aquelas tietes atrevidas afirmaria “ele só precisa de mim”.

No filme, Wagner Moura representa Pedro, que representa Tristão no teatro. E fala de amor. E sofre por amor. E escreve sobre amor. E vive de amor. E assume. E resume. E declara. E chora. E briga. E implora. E exclama “quanto mais longe de ti, mas te desejo”.

As minhas paixões como sempre fulminantes. É como beber vinho junto e se apaixonar de repente.

Insana intensidade.

Estória.

A pessoa por quem a gente se apaixona sempre é uma invenção.

E ninguém morre por causa disso.


* Romance (2008) é filme brasileiro dirigido por Guel Arrais.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Se foi.

Acordou e ele não estava mais ali. Demorou em se levantar e acreditar que teria que suportar aquela saudade. A alma estava repleta de agonia, o coração apertado. As mãos soadas. Ele prometeu que voltava.

Era uma segunda-feira. 6:45h da manhã. Não acreditava que tinha dormido tanto. Era uma segunda-feira sem graça, como costuma amanhecer as segundas-feiras. Enfadonhas, lentas. Pensou “ele não vai voltar”.

Por mais que soubesse que tudo teria fim, conviver com aquela realidade seria cavar um buraco no fundo do poço. Tomou banho, não conseguiu tomar café.

Nada. Nenhum telefonema. Nenhum recado. Nenhuma carta. Nenhuma mensagem. Nenhum email. Nada. Nada além de todas as lembranças. Nada além dos vestígios de ele deixou.

Sentia medo. Medo de ficar sozinha. Medo que o mundo acabasse. Medo de esquecer. Medo esquecer o tom da voz. O cheiro dos cabelos. Medo que o mofo tomasse conta das roupas, dos sapatos, e destruísse tudo que restou, e então, tivesse que se desfazer de tudo que ficou.

Era um novo dia. Início de semana. Novas oportunidades. Novos jeitos de recomeçar. Mas, como recomeçar sem ele? Sabia que iria encontrá-lo. Iria encontrá-lo em todos os lugares. Nas crianças brincando. Nos apaixonados sonhando. Nos idosos vivendo. Iria encontrá-lo nos sonhos, nas músicas, nas praças, nos parques, nos bosques.

Ele iria chegar. Ele prometeu. Ele disse que voltaria.

Todas vezes que ele saiu, ele voltou. Quando ele saiu, ela via a reprise da novela. Era para ter desligado a TV e impedido que ele fosse. Não teve ação.

Ele não vai voltar. Nunca mais.

E a única coisa que ela não pode esquecer é que ele foi.

Foi de cabeça erguida. Pela porta frente, como quem sai para voltar. Sem malas.

Ele se foi na tarde da sexta-feira. E a última lembrança dela são as palavras.

Só restam agora elas, as tais palavras. Elas sempre ficam. Sempre teimam em ficar.

“Tchau, mãe, me espere para jantar!”

Fechou a porta!

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Reencontrar é viver


Homem mauricinho nunca fez o meu tipo. Nunca fui de ir aos barzinhos em busca de paquera, mas se fosse, já entrava no descarte.

A beleza alemã é opaca demais para o meu gosto. Os nascidos na década de 80 que costumam passar os finais de semana em casa de praia lotadas, também não compreenderiam a vida de quarentona que eu levo. Os solitários, que se acompanham de uma carteira de Carlton vermelha e passam a noite inteira com uma única cerveja também não conseguiriam um torpedinho se quer no dia seguinte.

Não, não sou exigente. Também não faço o tipo deles. Não sou bonita e de longe me encaixo nos padrões de beleza, o que pra mim é ótimo, já que odeio padrões.

Caminho entre a linha tênue do intelectual-malandro. Dá gosto de ligar no outro dia. Cada SMS enviado é um suspense na espera do recebido. É trauma. Trauma de adolescência. Descobri hoje.

Quando tinha 16 para 17 anos, me apaixonei por um mauricinho-mulherengo e paguei todos os meus pecados por antecipação. Ele pode carregar um mérito: foi o último e único homem que eu liguei só para ouvi-lo dizer “alô” e desliguei sem coragem de falar o que sentia. Como diz por essas bandas, o desgraçado me fez ‘comer o pau que o djabo amassou’, mas ele tinha um num-sei-quê que me deixava eufórica. Eufórica, nada, me deixava louca mesmo.

Entre as dezenas de namoradas dele eu não fui escolhida para oficial. Sofri. Chorei. Quis me atirar no rio Mossoró. Passou. E passou rápido. Pouco depois, em outro colo, eu conheci o amor.

Hoje o reencontrei. Depois de... nem sei quantos anos faz. Entrei numa papelaria e lá estava ele conversando com o dono que me recebeu feliz. Ele nem me cumprimentou. Perguntou na lata, esticando a mão esqueda sobre a mesa para mostrar a aliança de quase 2cm de altura. E o casório? Respondi: Em breve. Ele sorriu e disse: As coisas poderiam ter sido diferente.

Parecia o dialogo de Sweet Rain. Mórbido. Sem encanto. Sem graça. O dono da papelaria nos olhava com olhos de telespectador de partidas de ping pong. Preferi deixar minha reuniãozinha para outra hora.

Achou que eu estava frágil. Mas... Enganou-se!

Não, não uso mais aliança. Aliança é simbolismo.

Uso sentimentos. Sentimento é nó.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Alvorecer

O conservadorismo me obriga a fugir das mudanças. Não gosto de arrumar as coisas que não voltarão ao lugar que estiveram primeiro. A mudança da casa da minha mãe para a minha tem sido lenta.
Todos os fins de semana levo um pouco de mim sem sentir. Sempre que volto sinto meu quarto mais vazio. Menos livros, menos filmes, menos roupa, menos sapatos. Já sinto falta das coisas que não estão no lugar. Eu não estou mais. As novas correspondências já não chegam no mesmo endereço.
Sempre eles. Os costumes do mundo moderno. Sempre. Os costumes do mundo moderno que eu não me acostumo. Acordar primeiro. Fritar os ovos. Esquentar os pães. Abrir as janelas e deixar o sol fazer dia naquelas paredes que ainda não estão citricamente coloridas. Sempre ele. O costume. O costume que nos faz entregar os dias ao tempo.
Acordo cedo. Não espero o elevador. Dois andares. Escada. Degrau. Degrau. Degraus. Tenho que sair caminhando. Os vizinhos diferentes. A cor do céu diferente. As casas. As árvores. Os pássaros. As crianças. Nada. Absolutamente nada é igual. Nem o ar.
Caminho lentamente. O movimento dos carros. A preguiça dos jovens voltando da farra. A disposição dos velhos cumprindo as promessas. Posso ouvir a voz de Osvaldo Montenegro cantando Sem Mandamentos "eu vou fazer seresta na sua calçada, eu vou fazer misérias no seu coração..." amo esta música. É exatamente assim que o dia faz.Panificadora
Alvorada. Como a música de Cartola. Chegou iluminando o meu dia.
Fez-se alegria!
Alvorada. Pelo caminho da direita. Na esquina. De frente para o Alvorecer.
Bom. Dia.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Brigas


Desconfio dos casais que não brigam. Desconfio de um amor que não tenta encontrar um denominador comum. Desconfio dos relacionamentos que não têm crises, de pessoas que convivem e não discordam.

Tenho uma amiga que não briga com o marido há mais de três de anos. Quando um pensa em discordar do outro se policiam e alguém cede. Na teoria é lindo. Mas, desconfio da prática de um trato desses.

Ficou de ligar e não ligou, ela não liga para não incomodar. Esqueceu o aniversário de casamento, ela não lembra porque são datas que tanto faz. Disse que ia ver o futebol e só voltou em casa na segunda-feira, ela não arruma as malas dele. Cortou 30% da verba do supermercado e ela não soltou nenhuma piadinha. Ah, tenha santa paciência! ‘Amélia – a mulher de verdade’ só existe no samba de Mário Lago e Ataulpho Alves e eu, na vida real só conheço minha pobre amiga.

Coitada! Não conhece a primavera do relacionamento. Não conhece a melhor parte da convivência: as brigas. As doces discussões que depois de um, dois dias, ou de meia hora rendem um jantar, regado à inenarráveis sobremesas. As brigas entre os casais são o domingo do amor. As reconciliações regadas a charmes, mimos, promessas e aos mais quentes ‘eu te amo’. Dependendo do grau da raiva, rola até uma viagenzinha ao exterior para apimentar a relação, com um manual de Kama Sutra na bagagem, claro.

Desconfio dos casais que não brigam. Desconfio do amor que não se aprimora. A imposição não amadurece, acumula.

Brigar não é fazer barraco. Jogar o jarro contra o espelho. Arranhar o carro. Bater a porta. Não é impor. Não é proibir. Não é dar satisfação de cada passo. Não é desligar o celular. Brigar não é tomar porres. Gritar, agredir, trair. Brigar não é fazer as coisas de próposito, para magoar. Nem atentar para as futilidades. Não é brigar “por coisas tão banais”. Brigar na relação é encontrar-se. Brigar com quem se ama é descobrir-se no outro. É amar além de si.

Respeite os limites. Mas, de vez enquando... Nos dias de rotina...

Um olhar daqui, outro de lá e as nuvens formarão tempestades de desejo.

Briga, vai! Não precisa motivos. Depois, acaba na cama.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Comidinha da Vovó


Minha avó paterna é uma mulher vencedora. Visito-a bem menos do que gostaria. Geralmente aos sábados pela manhã. Desleixo meu. Nem moramos tão longe. Ela criou meus quatro tios e o meu pai na beira do fogão como se diz por aqui, e nenhum deu para malandro ou marginal, motivo de orgulho no bairro onde mora.


Ela mora só em uma rua muito movimentada próximo ao mercado da cidade. É separada do meu avô há mais de quinze anos. Mais são vizinhos de frente. Amigos. Ela guarda tudo que saí sobre mim nos jornais. Já pedi que ela deixasse disso. Mas não tem jeito. Quando eu reclamo, ela mostra para os vizinhos.


Ela é linda. Tem os olhos verdes. Sofridos. Os cabelos loiros. A pele branca, a voz rouca e agoniada, como a minha. Aliás, a minha é como a dela. Fui a primeira neta. Filha única de papai. Lembrança única viva para ela. Quando me abraça, sente que está o abraçando. Sempre pede “tire os sapatos” e conversa comigo olhando para os meus pés, segundo ela, iguais aos dele.


Gosto quando ela faz aqueles almoços familiares aos domingos. Quando começamos a fazer as fotografias e ela sempre pede “Bata a foto da mesa! Bata a foto da mesa!”. Herdei dela o jeito engraçado e extrovertido de ser. Hoje ela me ligou um pouco antes do almoço. Reconheceu pelo meu “alô” que eu estava gripada. Chamou para almoçar “Venha! Tem aquela carninha assada com arroz da terra que você gosta!”. Comida igual à dela, só a do restaurante Âncora Caipira, em Natal, que também, por azar, moro longe. Não fui. Não liguei pra dizer que não ia. Na verdade, nem almocei ainda.


Mesmo gripada sinto o cheiro da comidinha dela. Ouço o barulho dos carros passando na rua. Das panelas no fogão.


O colo macio. O amor da minha avó.


Vou largar tudo. Agora. Vou correndo. Almoçar (jantar) com ela.


A comida deve até ter esfriado. Mas ela ainda estará me esperando.