quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Solidão

Como muito bem dizia o cronista Antônio Maria, só há uma vantagem na solidão: poder ir ao banheiro com a porta aberta.

A cidade, a rua, a casa, o ar, o colo, a cama, o corpo e principalmente a multidão nos acumula um apelo desesperado de angústia. É como estar apaixonado, nada além da pessoa amada sensibiliza. É como a morte, nada além do silêncio desespera.

Quando eu era criança viajava com meus avós para Itaiçaba, terra deles no interior do Ceará, passava por casas no meio do mato, lá longe, onde a luz da lamparina trazia felicidade. Lembro que ficava imaginando como seria a vida daquelas pessoas, que as crianças não conheciam o Topo Gigio, não brincavam de Barbie e a fada Xuxa que alegrava minhas manhãs descendo de uma imensa nave espacial não alimentava os sonhos deles. Lembro que eu dizia na minha inocência infante “Vixiii, Vó e eles não brincam? Não se divertem?”.

Hoje adulta, mas não menos criança, vejo que a solidão daquelas casas era minha. Quando observo o cotidiano das pessoas que não vivem na zona urbana entendo os valores que eles trazem no coração. O aconchego, a mesa farta, a contemplação do sol nascendo, a família reunida para a sopa ao entardecer, as verdades que são para sempre.

Acredito que eles se sintam menos sós do que eu e meu celular com mais de quatrocentos números na agenda. Do eu e meu orkut com mais de oitocentos “amigos”. Do que eu e meu twitter com meus mais de duzentos seguidores. Do que e minha TV com mais de cem canais, eu e meu MSN, meu Skype e todas as palavras, todos os sambas, todas as noites.

Não há entendimento com a solidão. Ela gosta de silêncio.

sábado, 3 de outubro de 2009

Antes de começar

Tinha descoberto que precisava fazer um curso de noiva para casar. Não era um curso comum para aprender a ser uma boa mãe, uma boa dona-de-casa e uma esposa dedicada. Não era um curso que ensinava a lavar, passar, cozinhar e limpar banheiro. “É para aprender a amar eternamente”, explicou a beata, voluntária da igreja pelo telefone.

Retrucou. Repetiu a resposta para confirmar que tinha entendido certo. Entendeu o que ela disse, não entendeu o que ela quis dizer. “Temos uma turma que inicia amanhã às 19hrs, passe aqui”.

Não tinha opção. Passou. Desconfiada. Ficou olhando da janela. Aquelas passagens secretas comum nas igrejas. Salões enormes, chão de cimento verde, teto alto e redondo, passando a impressão da imensidão. Caminhou timidamente. A mulher veio ao seu encontro.
- Você é a nova noiva? Balançou a cabeça e sorriu sem jeito. Começou um monólogo puxando-a pelo braço.

- Vamos esperar seu noivo chegar. Ele está vindo, não é? Olhe, o curso custa R$200 este valor tem que ser pago agora, já inclui o aluguel da igreja para o dia da cerimônia. Vocês são crismados? Fizeram a primeira eucaristia? Qual a data mesmo? Preciso reservar! O curso leva um dia inteiro. Como eu disse vocês aprenderão a se amar, a se respeitar, enfim, a conviver, você sabe, coisa ruim e difícil é casamento. Eu mesma estou com o mesmo marido há mais de 35 anos. Tenho 3 filhos e acabei de ganhar a minha primeira netinha e não tem um dia que eu não pense “Meu Deus, será que eu sou feliz ao lado do Alberto? Será que ele é feliz ao meu lado?”

A moça já tinha esquecido a ordem das perguntas. Achava que a beata nem queria as respostas. Eram informações demais. A pobre mulher quase não respirava.

- Senhora...
- Mulher, mas por outro lado o casamento é ótimo. E tem a melhor parte... dormir e acordar juntinho. Ah, um dica: nunca deixe os filhos dormirem entre vocês dois, einh?!
- Como é nome da senhora mesmo?
- Maria.

Claro, tinha que ser.

- Dona Maria, seguinte...
- Ah minha filha, esqueci de dizer...
- Não precisa. Volto outra hora. Esqueci que tenho um compromisso.

Caminhou quase que correndo para a saída.

Tinha descoberto por que quase todos os casamentos terminavam na solidão de uma sexta-feira ouvindo Trocando em Miúdos do Chico e Bilhete do Ivan Lins num revezamento programado no último volume com uísque, gelo e lágrimas.

Monólogos.

Uma sombra de amor entre os lençóis.

Não adianta deixar bilhete.

Não há verso de Neruda que resolva.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Malandro é malandro


A voz dele inebria como o sol. Entontece. Estremece meu corpo da ponta do dedão ao último fio de cabelo sobre a nuca. Nem todos os jambos do mundo possuem uma cor tão linda como daquela pele. Nem todas as amoras são tão adocicadas como aquele sorriso. Jeito lindo de sorrir. Olhar da cor do mar. Um olhar de jeito doce que eu nunca vi igual. Nariz, boca, sobrancelhas, tudo paira harmonicamente naquele rosto.

Estou inesperadamente apaixonada. Uma paixão que tomou de assalto os meus sentidos na prorrogação do meu tempo e eu me rendi sem forças. Não quero relutar. Não quero saber de defeitos, não quero desencantar. Ele me dar vontade de viver.

Ah, se ele casasse comigo seria o homem mais feliz do mundo. Eu cumpriria todos os juramentos eternos; amor, fidelidade, lealdade. Pra sempre. Todo o resto de nossas vidas. Não, não seria resto. Seria um recomeçar a cada amanhecer. Não tenho dúvidas. Eu o cobriria de beijos todas as manhãs. Beijaria e tocaria cada pedacinho daquele corpo vagarosamente com o cuidado de quem dedilha o teclado de um piano, de quem limpa um cristal. Dançaríamos samba pela Sapucaí. Senti-lo quentinho perto de mim seria suficiente.

Ele é um gentleman. Tímido. Malandro. Perfeito. O ritmo do meu pandeiro.

Não, não sou de rasgar sedas. Não é conversa de mulher apaixonada.

Diogo Nogueira – o melhor dos últimos tempos. Não há Hollywoodiano que amarre a chuteira.

Só não tem mais moral que Bruno.

É um desejo que ainda está pulsando nas veias, não chegou ao coração.