sábado, 21 de fevereiro de 2009

Retalhos de Cetim

Passou o ano inteiro juntando retalhos de cetim. Aquele tecido brilhoso e macio alimentava as suas esperanças e enchia de alegria as suas expectativas. Guardar cada pedaço colorido depois de cortá-los, emendá-los, engomá-los chegava a ser um ritual prazeroso. Juntamente com a máquina de costura herdada da avó ligava a vitrola com o samba moroso de Benito di Paula, inspiração maior para a criação da fantasia, então, começava a tecer seus trajes.

Na medida em que virava a peça, imaginava que estava costurando o corpo dele com seus lábios. Era capaz de sentir o cheiro de amor que exalava de sua pele macia, sentir os cabelos ásperos, a respiração quente. Adormecia sempre, antes de terminar sua meta, depois abria o baú e escondia com gosto a peça sempre inacabada.

O prazer de criar, emendar cada pedaço se guardando para quando chegasse o Carnaval. Nenhuma costureira ou estilista acertaria a medida exata, encaixaria os retalhos com perfeição. Seria a Colombina mais bonita do salão, passou três meses se preparando. Cada semana que passava os pedaços de tecido ganhava forma para o corpo, espaço para pernas, braços e quadris. Um colorido iluminado, festivo.

Depois de costurada, a Colombina passou um mês para bordar as pedrarias, lantejoulas, paetês e todos os adornos necessários para complementar a fantasia. Comprou purpurina e glitter de todas as tonalidades, afinal, tinha chegado seu momento. A cidade já estava decorada, as pessoas já estavam animadas, as rádios já ensaiavam todas as machinhas que seriam sucesso naquele Carnaval.

Confetes e serpentinas roubavam o lugar da nostalgia como uma máscara rouba os traços de um rosto. O banho demorado, os sapatos de lantejoulas vermelhas, o par de meias preta e a roupa da grande noite, detalhes perfeitos, harmoniosos, delicados.

A saia rodada. Vestiu-se cuidadosamente. Era como se estivesse despindo o corpo dele. O amor pacientemente esperado é assim, desesperado. Era apressada e ansiosa nela, para ser lenta e calma no corpo e nos beijos dele, esperava agir devagar e demoradamente para eternizar os instantes. Pintou o rosto, iluminou as maçãs da face, olhos, nariz, avermelhou os lábios, penteou os cabelos, perfumou-se inteira. Afinal, iria encontrá-lo.

Mesmo que o visse de longe, mesmo que ele estivesse com a Bailarina cor de rosa que impediu os beijos no último Carnaval, saberia que ele a reconheceria ainda que fantasiada em meio a outras Colombinas, os corpos se desejariam e ver aqueles olhos alimentaria mais um ano de esperanças e sonhos.

Olhou-se no espelho. Estava pronta. Sentia-se linda e inteira. Perfumou-se outra vez. Um cheiro forte e marcante tomou conta de todo o ambiente. Um choque de energia, encadeamento puro, leve. Sensação de plenitude. O esforço de juntar os retalhos compensou entrar no barracão e sentir alegria. O som do samba era silêncio nos seus ouvidos. Ela não coordenava o corpo. Não continha a ansiedade em revê-lo, e lá estava ele, em meio aos Palhaços, Pierrôs, Piratas e Sambistas. Tinha o ritmo da música, a fortaleza das batidas de tambor. Parecia que existia para ela.

Discretamente se olharam. Um arrepio tomou conta do corpo da Colombina como uma sensação de emoção. Aproximaram-se, e todas as palavras já tinham sido declaradas no olhar. Era único. O único Arlequim da multidão. E depois de beijá-lo a Colombina transformou o amor em uma eterna fantasia de Carnaval. O que sentiram um com outro, era singular demais para não ser transformado em alegria.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Eu sou sincera

Não me pergunte o que você não quer saber, eu sou sincera. Sou a pior pessoa do mundo para afirmar mentiras. Não aconselho ninguém a se basear por mim. Sinceridade é defeito. Não se deve sair de bar em bar falando o que der na telha. Já perdi muito com isso. Não escondo segredos femininos. Sou natural, não interpreto pra seduzir.

Os homens supostamente feios costumam ganhar as mulheres por pontos, jamais por nocaute, como ocorre com os sarados, loiros, altos e donos de um belo e sedutor par de oceanos no rosto.

Particularmente, não fico nem com os feios, nem com os bonitos. A mim, atraem os canalhas. Não pela maldade, claro, mas pela inteligência do corpo. Só os homens canalhas – e os verdadeiros jamais se ofenderão ao serem reconhecidos aos sussurros femininos – têm o poder de apaixonar uma mulher e fazê-la rende-se a todas as suas condições ou começar a perdê-la por uma gripe, e depois por muito menos. Um canalha que sobrepõe o sentido da língua portuguesa.

Os canalhas não prometem nada, eles são a própria promessa. Querem alimentar o ego, o desejo, a carência, o tesão, e tem que ser agora, ou já é tarde demais.

Um segredo feminino: mulheres sentem gana pelos riscos; quanto mais ariscado, mais atraente, quanto mais difícil e sedutor, mais gostoso se envolver, e se ele for do tipo galante, ihhhh, o mundo está perdido, ou salvo!

O mundo feminino funciona assim. A mulher nota que o cara não é fiel, saí com uma por noite, fala pra Deus e o mundo que ele é machista e em vez de se afastar dele o que ela faz? Se apaixona. Confia que ele será diferente com ela. E começa a sonhar, construir castelos, programar os filhos, imaginar as viagens que farão juntos, como será a lua-de-mel e se duvidar, faz pré – reserva do vestido de noiva.

Enquanto ele, nada ambicioso, programa um encontro, à luz do dia, num lugar público, para conversar. É. Só nós entendemos esse nosso duelo com a memória e as expectativas. Não nos interessamos por homens prontos, fechados. É difícil de entender, duro de aceitar, o mais inesquecível, leal e puro amor, pode vir de um canalha recuperado, arrependido; que claro, não perdeu o jeito rude e violento de acentuar o amor, de fever o sangue.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Fechando o verão

Eu precisava desopilar e a necessidade veio no verão. Apesar de morar numa cidade muito quente considero o calor um estado insuportável. Mas eu precisava ir. Precisava de liberdade e ar. Precisava não ler os emails, não atender as ligações, não receber visitas estranhas durante horas.

Todo mundo cresceu e eu nem vi! Senti saudades de quando era criança e passava o mês inteiro em Tibau, tendo como única preocupação as festas do Álibi e o tom do bronzeado. E por isso tive que ir, precisava recuperar o que estava se perdendo, nem que fosse por uma semana.

Dormir tarde, acordar cedo, tomar sol, balançar bem alto no alpendre, jogar frescobol no fim da tarde, jogar baralho – fazia uns cinco anos que eu não aprumava um baralho nas mãos, que eu não jogava uma partida de pôquer – que eu não passava o dia de biquíni. Viver descompromissadamente. Viver. Sentar e conversar horas com minhas amigas e recordar tudo, todas as fases e todos os tempos, prevê o futuro.

O veraneio de Tibau mudou. Hoje, não gosto mais do movimento da praia do Ceará, nem dos garotos sarados que arriscam surfar nas ondas baixas das Emanuelas. As candidatas à Musa do Verão 2009 eu vi crescer e a prefeitura está tirando todas as barracas da beirinha da praia para construir um calçadão. Morri de saudade, chorei de solidão.

Na tentativa de inovar fui para as praias turísticas da capital. Pirangi, Pipa, Genipabu, Redinha, Jacumã, tudo ecologicamente urbanizado, tudo belo, encantador, cheio de energia, de vida, de luz. Não fosse o costume das pessoas. Estranho como o povo de uma capital nunca é gentil e hospitaleiro como o povo do interior. Mesmo sem saber de onde a gente veio, nem pra onde a gente vai ressaltam uma petulância e respiram um ar de autoridade. Sempre tive essa impressão. Chamou-me atenção também a semelhança entre as mulheres. Um homem que saí para paquerar em um bar de Pirangi, por exemplo, deve ficar confuso com tanta mulher semelhante; rosto, cabelo, dentes cintilantes, tom do bronzeado, jeito de vestir, modelo do relógio, cor das roupas, marca do celular, por muitas vezes eu olhava de lado e achava que a menina tinha ido ao banheiro trocar de roupa e era outra.

Sem contar o escândalo que um aspirante político deu na porta porque era uma autoridade e estava acompanhado das filhas de fulano e sicrano que eram tão importantes quanto à cerveja está gelada, então, apesar do bar lotado, sem mesas, ele tinha que entrar. Morri de rir quando ele perguntou ao segurança: “amigo, você sabe quem eu sou? Você sabe com quem você está falando?” Sinceramente, tive vontade de voltar pedir um autógrafo e tirar uma foto para colocar no orkut. Não é todo veraneio que a gente esbarra com Bin Laden.

Meu coração, que viajou vazio e aflito, voltou inspirado e feliz. Dos lugares que eu conheço, Natal é o único que me balança para ficar. Mas, sinceramente; eu viajaria o mundo mil vezes, só pra poder voltar. Porque o melhor momento de qualquer viagem é ter pra onde voltar.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Sinceramente...

Eu acredito nos casamentos. Acredito em uniões que podem durar até que a morte separe, acredito em amor, em companheirismo, em comodismo, em dependência, em costume, só não acredito em fidelidade plena. Tenho uma amiga que passou quase um ano sem falar comigo porque quando convidada para ser madrinha do seu casamento, recusei. Não ia amadrinhar uma relação que eu não acreditava por haver mentiras e traições claras desde primeiros meses de namoro com a negação total do futuro marido, colocando-a contra tudo e todos. Os momentos de felicidade não compensam os de dor e a história se repete, este é o defeito dela.

Semana passada, encontrei o marido da minha amiga saindo de um restaurante aos beijos com outra mulher, fiz de conta que não vi, hoje, ele me ligou para justificar a “traição”. Imagino o quanto isso deve tê-lo consumido esses dias. Eu nem lembrava mais.

Sinceramente, não classifico a moça como amante, o marido da minha amiga não foge do casamento para uma aventura, foge para outro casamento. Não é sexo casual, nem prazer momentâneo. É compromisso. Ele freqüenta a casa da moça, gosta e participa da vida dela. Ela não sabe que ele é casado e ele está sendo fiel aos sentimentos dele. Tentou me explicar isso em um discurso nervoso que encerrou com o questionamento: você não vai dizer nada?

Eu sempre me coloquei no lugar das pessoas. Não acho a vida do outro fácil de resolver; sinto que ele não está procurando encontrar algo que falta no casamento, e sim tentando repetir o que encontrou. Se um casamento é complicado, pesaroso é entender o esforço de sustentar dois ao mesmo tempo.

Fico me perguntando como faz para não embaraçar o que foi vivido? Não confundir os cuidados amorosos. Está pronto para discutir relação com dois comportamentos diferentes. Imagina as brigas? Se explicar em crise, e se explicar sem ter razão.

Imagino como será o velório dele. Quem será a real viúva? Será que minha amiga não desconfia? Eu saberia. Certeza como saberia. E, acredito que ela saiba. Se não, que nunca leia estas linhas.

Não há como apagar o que se avançou, eliminar o que já faz parte do movimento, do corpo. Escolher? Ele não escolhe, acumula. Gosta das duas. Separar? Ele não vai conseguir nunca, separação não existe quando se gosta. O máximo que acontece é se afastar, observar de longe, não abandonar.

Casou-se com minha amiga e vai continuar casando com os casos para caçar loucamente o amor de qualquer jeito. Quem não é fiel por dentro nunca será por fora. Casamento é uma escolha, não um estado civil. Uma pessoa comprometida não precisa de aliança para mostrar o compromisso. Ela é a aliança. É como diz Mario Quintana “Uma ave voando não significa que está partindo. Uma ave voando pode estar regressando”.
Só acho dispensáveis as justificativas.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Bom dia, segunda!


7:35h meu despertador mental desperta. Hora de levantar. Penso em virar para o outro lado e ficar mais cinco, dez, quinze minutinhos alimentando meu sono, mas os compromissos das próximas oito horas martelam minha cabeça a favor da rapidez que gira meu relógio.

Levanto meio zonza, calço minhas havaianas brancas; ligo a luz, sintonizo na AM, me olho no espelho – estou descabelada, de olhos avermelhadamente inchados, vestida numa camisola branca que me cabe com todas as minhas segundas-feiras dentro. Estico o corpo bocejando avidamente.

Entro no banheiro e fico naquela embromação de criança para mergulhar no chuveiro. Uma mão, depois a outra, um ombro, um pé e quando me dou conta a espuma do sabote na escorre no meu corpo. Dou “bom dia” para a escova de dente entupida daquele creme branco, para o Listerine, para o desodorante, o hidratante. Visto uma roupa quente, calço uma sandália, rimel, blush, perfume e uma preguiça gigante.

Raramente tomo café. Na cozinha, os lugares desarrumados confirmam quem já foi enfrentar o sol. “Quer uma torrada? Tem suco e Danone na geladeira. Não tome esses todinhos de manhã, se quiser faço um copo de leite com Nescau faz menos mal.” Grita dona Nadja como uma metralhadora da área de serviço. “É a mesma coisa. E eu não quero nada” pronuncio as primeiras palavras do dia. “Sua mãe já saiu. Disse que se pudesse vir almoçar em casa, seu avô e seu tio vêem almoçar aqui” “Unrun...” respondo gemendo. Saiu e ela fica reclamando que minha blusa está amassada. Pego minha bolsa, coloco os óculos escuros e meu tio já buzina lá fora.

A manhã estava linda, choveu ontem e tudo amanhece mais leve. Entro no carro e Belchior canta como se recitasse um poema “Tudo outra vez” naquela voz rouca e gostosa enquanto eu penso em “viver as coisas novas que também são boas...” de repente a música muda e quando eu penso que todas as crucificações musicais que as gravadoras populares podiam fazer com as grandes canções já tinham feito o fenômeno musical Victor & Léo me espertam com a versão abrasileirada do clássico “Way back into Love”, meu tio aumenta o volume e diz contaminado ainda com a energia do final de semana “você precisa ouvir a versão em forró, massaaaaa.” Abençoadas segundas-feiras.