quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Te espero, 2011

Esta semana eu comentava com um colega de trabalho uma mania terrível que eu tenho de escrever frases soltas. E ao mesmo tempo em que eu comentava este costume, fazia pra ele uma defesa do twitter, meu bloco de notas virtual. Solto ali quase todos os pensamentos que me ocorrem e em 99% das vezes esqueço que as mais de mil pessoas que me seguem acompanham aquilo tirando as conclusões mais diversas e pessoais possíveis.


Mas hoje, véspera da véspera de ano novo eu perdi o sono por volta das três horas da manhã e a primeira coisa que eu fiz foi pegar o telefone e olhar quem também estava insone no twitter. Depois, fui tomada por uma inquietude e impaciência que consegui acalmar quando me estiquei e abri o livro marcado quase que ao meio pelos meus óculos de grau [é, tenho essa mania de marcar a página do livro com os óculos]. Quando me dei conta o sol já entrava pelas frestas das janelas iluminando a casa e raiando um novo dia. Todos dormindo. Abri a porta da cozinha que dá pra área de serviço, armei uma rede no alpendre e fui pensar em 2010. E, lembrei foi de 2009. Do quanto eu criei expectativas para 2010 em 2009. O quanto eu esperei, me ansiei, comprei roupa nova, perfumes e brindes para que 2010 chegasse em grande estilo e ritual. Afinal, era em 2010 que tudo de bom iria acontecer.


Porém, chegou. Chegou tão rápido quanto passou. Foi um ano estranho, tão estranho quanto eu me sinto agora. Foi um ano de perdas [graças que nenhuma irreparável em tamanho GG] e foi o ano em que eu mais aprendi sobre mim em toda minha vida. Foi um ano que eu mais me conheci, que eu mais me perdi, que eu mais me encontrei, que eu mais refleti sobre mim, sobre minhas atitudes, sobre as minhas decisões, que eu mais fui, que eu mais voltei, que eu mais me senti só, que mais venci a solidão, que por muitas vezes curti a solidão, e preferi até, estar só.


Mas, foi um ano de muitos momentos bacanas. De ciclos que se fecharam para desabrocharem novos. De rodas girando com rapidez de cata-ventos. De realizações de alguns sonhos. Foi um ano em que a vida me mandou pessoas incrivelmente significativas que por vários momentos me fizeram questionar: poxa, por que eu não te conheci antes? E, ao mesmo tempo saber, que não. Que tinha que ser agora, que tinha que ser do jeito que foi. E, escorre até uma lágrima no canto do olho porque a vida é muito intensa às vezes e a gente tem que segurar isto com a ponta dos dedos.


Foi um ano que eu tive saúde. Foi um ano que em momentos de muito desassossego eu soube encontrar a paz. Foi um ano em que eu lamentei algumas vezes e agradeci até a dor. Foi o ano que eu mais recebi “bom dia” - e como os desejos de bom dia nos alegram!


Foi um ano em que eu mudei, muito. Que eu sinto o quanto minha alma mudou. O quanto a minha visão de mundo e os meus sentimentos e crenças mudaram.


Sabe, 2010, eu tenho a memória curta. Dos 364 dias e meio que se passaram eu não lembro de muito. Mas, eu jamais esqueceria de te agradecer. Agradecer pela a vida que você me proporcionou. Pela força, pela garra, pela coragem e pela fibra de continuar até nos momentos que eu achei que não conseguiria mais.


Estou feliz! Muito feliz! E este sentimento é meu. Independente do telefone chamar, de uma mensagem chegar, da música tocar, da chuva cair, do dinheiro entrar, do sonho acontecer. Estou feliz com a minha alma, com a paz, com a minha traquilidade.


Estou feliz porque amanhã é outro tempo. Um tempo em que eu sei que vou continuar. Mesmo que eu acorde com preguiça, mesmo que a rádio não toque samba, mesmo que algumas pessoas atrapalhem, mesmo que o trânsito não conspire a favor.


Estarei aqui. Firme, forte e cada dia mais segura.


Venha 2011. Pode vir. Quero vivê-lo.


É o meu desejo de ano novo e ao mesmo tempo meu pedido de agradecimento a todos vocês, que como eu, também acreditam e esperam.


Faça o que tiver que ser feito para ser feliz!


Muitos girassóis ainda brotarão!

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Versos - amor amassado em guardanapo de papel

domingo, 26 de dezembro de 2010

Presente de Natal

Já faz uns anos que eu deixei de acreditar em Natal, de ser contaminada pelo espírito natalino. De trocar presentes, de enfrentar filas nos shoppings, de brincar de amigo secreto, de comer peru e de viver esse momento de inspiração e hipocrisia que todos vivem dizendo que ama o seu colega de trabalho que você falou mal e desejou que ele se fodesse o ano inteiro.

Mas, este ano eu fiz umas coisas diferentes do que vinha fazendo nos últimos anos. Este ano eu saí de casa depois de todo mundo, depois da meia noite, depois de horas de solidão. Este ano eu enfrentei as dores da infância e comi o tender. Este ano eu fui à Missa. Este ano eu vesti vermelho, coloquei o gorro na cabeça e contei aos meus primos como é que se supera algumas decepções da vida. Também contei pra eles o quanto meu trabalho é legal, contei de algumas pessoas que conheci. Acendemos cigarros, abrimos garrafas de vinho, tiramos vovó pra dançar, dançamos tango argentino, ouvimos histórias de como se comemora o Natal na Europa, nos Estados Unidos e na Argentina, ouvimos histórias de Natal de quando éramos criança. Ouvi meu primo dizer: fico todo empolgado quando meus colegas da escola dizem “vi sua prima dando entrevista na TV”. Vi minha alegria ser devolvida em taças de champanhe e grãos de farinha. Em apenas duas horas que passei entre eles. No meio da festa, no meio deles. Cheguei, já tinha começado. Saí, não tinha terminado.

Hoje. E hoje é que é Natal. Ou melhor, nem é mais, porque hoje já é amanhã. Mas hoje, enquanto todos almoçavam minha mãe me chamou. Eu falava ao telefone, uma ligação demorada, pedi que ela esperasse. Ela chamou novamente. Tinha urgência em me dizer alguma coisa. Eu não tinha urgência em ouvir. É sempre tanta coisa pra gente saber.

Tranquei a porta. Não queria falar com ninguém. Não queria ver ninguém. Olhei pra mim a tarde inteira, conversei com minha solidão a noite inteira. Vi um filme após o outro, bebi, comi, dormi. Fiquei de porre, melhorei do porre, fiquei de porre de novo.

E, agora a pouco, quando fui à cozinha, minha mãe estava lá, vendo TV. Pediu que eu colocasse mais um pouco de cerveja em seu copo. Pediu um beijo e falou “faça o que tiver que fazer para ser feliz” "você acha que falta muito?" - perguntei fazendo graça. "Falta? Quem sabe da sua felicidade é você".

Voltei para o quarto.

Façam o que tiverem que fazer para serem felizes - é conselho de mãe. Em pleno Natal.

domingo, 19 de dezembro de 2010

É hora de amar de novo

Eu queria estar dançando um tango em Madagascar, mas estou aqui, entupida de analgésicos, antitérmicos e vitaminas A, B, C, D e E, até não poder mais.

Eu queria acostumar o meu desejo a não te querer. Mas, não vou falar de amor. Já comprovei que não é um bom negócio falar de amor entupida de remédios, escrever dopada mais uma vez, pode me render outra critica literária e quer saber? Fodam-se vocês que criticam meu jeito particular de amar. Estou pouco aí, ou como dizem CAGANDO E ANDANDO em caixa alta para a contestação de vocês.

E quer que eu repita?

- Foda-se! --------- liguei o botão. E, é tão bom ter um caráter honesto sem precisar bancar a moça boazinha. É tão bom deixar o amor fora disso. É tão bom deixar a paixão fora dos desejos. É, acreditem, ser intenso é bom.

Ah, mas eu só queria estar dançando um tango. Um tango a la Gotan Project. Nuvens, café e tango.

Ai, uma coisa nada com a outra tem a ver. Lembrei de Derek Walcott. Por que dele? Ele não era Argentino? Era? Por que não era? Ele não morreu? Morreu? Lembrei dele porque achei O amor depois do amor. O amor depois do amor é coisa do destino. Ou, como diz originalmente no poema: é hora de amar de novo o estranho que era si mesmo. É hora de amar de novo. Hora de me amar de novo? Não, não vou falar de amor, pode render criticas literárias. Ah, mas podem render comentários amáveis.

Ah, mas eu só queria estar dançando um tango. Cantando baixinho, bebendo algo quente, comendo frios. Olhando o fogo. Eu gosto de olhar o fogo. O fogo me acalma.

E, lá vem Derek Walcott again:

Há de chegar a hora

em que, com alegria,

você vai se cumprimentar ao chegar

à porta de casa, em seu próprio espelho,

e cada um sorrirá diante da acolhida do outro,

Mesmo que com a expressão embriagada e os olhos escorridos da maquiagem borrada pela maresia da noite anterior.

e dirá, sente-se aqui. Coma.

Você amará de novo o estranho que era si mesmo.

Dê vinho. Dê pão. Devolva seu coração

a ele mesmo, ao estranho que amou você

Mesmo que tenha restado apenas a vontade de não se ver. A vontade de quebrar os espelhos, de devolver as mentiras, de não ter lavado os copos, de não ter beijado os corpos, de não ter devolvido as taças, de não ter requentado o café.

desde que você nasceu, que você ignorou

por outro, que o conhece de cor.

Tire as cartas de amor da estante,

Como? Se existe a lembrança. Como? Se existem as palavras. Como? Se sobram memórias. Como? Se esse tempo todo eu só me ignorei.

as fotografias, os bilhetes desesperados,

tire suas própria imagem do espelho.

Sente-se. Celebre a sua vida.

Chegou a hora de amar de novo. E, eu não estou nem aí para o amor. Só queria estar dançando... é, um tango.


Ouça.

Ah, eu só queria estar dançando este tango, nas nuvens, sem escapar do feitiço.

Eu só queria estar dançando este tango para celebrar - suspensa em você.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Just a Feeling

Faz uns dias eu estava com vontade de áudios novos. Isso deve fazer parte do meu processo de ano novo, vida nova. Hoje pensei até em fazer um visual rastafari para brindar 2011. Pois bem. Sempre tive um defeito literário enorme de comprar livros pelo o título e pela capa. Mas álbuns musicais, não. Álbuns musicais eu sempre comprei por indicação, ou por idolatria.

Só que. Só que, como dizem por aí "a primeira vez a gente nunca esquece". Então, hoje foi a primeira vez que comprei um CD pela foto da capa. E, caralho, que capa! Desde já inclusa entre as 20 capas de disco mais fantásticas que eu conheço. Não vou citar as outras dezenove.




Não pensei. Joguei o CD no carrinho. Sem conhecer a banda, sem olhar o tracklist de canções. Fiz como faço com os livros, sem ler os prefácios, sem olhar o preço. R$29.90. Trouxe pra casa.

Eis que a surpresa ainda veio no carro. Doze faixas ótimas. Com influência soul. Redondinho. Bom pra ouvir arrumando a casa, fazendo o jantar, pegando a estrada.

Taí, gostei e recomendo.

Agora, quem arrisca compras pela embalagem, corre o grande risco da decepção do conteúdo. Não foi o caso com Maroon 5. Ainda bem.

[Re] Encontro's

Tantos anos que deixei o seu corpo.
Lembro a última vez.
O cigarro, o chiclete de canela, o beijo de açúcar.
Meus cabelos, suas mãos.

Tantos anos que seu corpo me deixou.
Lembro a última vez.
O quarto do hotel, o Globo Esporte na TV, as gargalhadas.
Suas costas, os meus cheiros.


E, coincidentemente, lembrei muito de você sexta-feira. Lembrei por uma bobagem. Lembrei porque o cara que sentou ao meu lado no banco do shopping alguns minutos fumava o mesmo cigarro que você. Fumava com chiclete de canela.
Caramba! Você me falou há um ano que tinha deixado de fumar há três. Cinco que não nos vemos.

Tive vontade de te ligar.
Por que não ligou?
Não sei.

...

Vamos nos encontrar?
Vamos.
Quando você pode?
Quando você quer?
Sexta.
Me liga na sexta?
Ligo. Que horas você pode sair?
18h30 por aí e 12h almoço.
Você prefere almoçar ou jantar?
Depende de você.

...

Quem sabe eu não tenha quebrado o encanto.
Eu tenho medo de começar tudo outra vez.
Só depende da gente.
Como vou saber?
Se você não me sentir, é porque já me esqueceu.

...

O cheiro.



quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Amor, o único motivo pelo o qual eu morri.
Amor, o único motivo pelo o qual se deve morrer.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Meu amigo imaginário

Eu tenho um amigo imaginário desde os seis anos de idade. Ele se chama Rui. Lembro que quando criança mamãe me levou aos psicólogos e insistiu muito com a professora que tinha que haver algum garoto chamado Rui na escola, pelo qual eu alimentasse uma paixão platônica. Era a única justificativa que ela achava para o fato de eu passar o dia inteiro conversando com o boy dentro de casa.

Depois passou. Deixei de falar sozinha e de ficar chateada porque mamãe nunca queria pagar o ingresso dele no parque. Na minha puberdade, ele reapareceu. Brigávamos muito. Ele sempre ficava chateado porque eu não queria mais brincar e ameaçava que nunca mais voltaria caso eu beijasse a boca de qualquer garoto.

A última lembrança que eu tinha de Rui era em Tibau, nós dois caminhando na praia ao cair de uma tarde de verão, eu deveria ter uns 16 anos e ele uns 18. Ah, ele era mais velho que eu dois anos. Fazia aniversário em 5 de fevereiro - não esqueço porque é véspera do aniversário da minha mãe, também porque uma das últimas perguntas que o fiz foi o que ele queria que eu lesse no dia que ele completasse 18 anos - um aniversário importante para os rapazes.

Durante esse tempo sempre cultivei mais amigos homens. Não é escolha pessoal, acontece. E vou dizer, aprendi, em longas relações de amizades, a confiar mais neles.

Na ausência de Rui, fui me ocupando com pessoas que eu pudesse sentir. Com amigos que pudesse me tocar, me abraçar, sair pra balada e curar a solidão das tardes de domingo. Me ocupei de amor também.

O tempo passou e eu vejo que cada dia que passa eu tenho menos daquela menina que sonhava que as amizades imaginárias pudessem ser reais. Que pra falar a verdade, eu nem sou mais menina. E pra ser mais verdadeira ainda, eu não acredito mais nas amizades, nem na eternidade delas. Não como antes. Não como a de Rui que se importava mais em fazer feliz. Ele era como eu. Não havia solidão. Não havia preguiça de ouvir, nem de sentar na calçada em tardes preguiçosas para chupar picolé. Eu podia contar! Nos podíamos contar!

Tantas pessoas podem contar comigo e, tantas vezes eu me vejo sem ter com quem contar.

Ontem, depois de quase onze anos, Rui apareceu. Era domingo. Eu ouvia Elvis e folheava um livro de Caio Fernando sentada ao pé da estante tomando um sorvete de morango. Lia pra mim em voz alta:

Discretamente, enviei sinais de socorro aos amigos. Ninguém ajudou. Me virei sozinho. Isso me endureceu um pouco mais. Não foi só você, não. Foram também pessoas até mais íntimas, (…) me virei sozinho com enormes dificuldades. Não me lamuriei. Mas preciso que as pessoas saibam que isso doeu — exatamente porque algumas destas pessoas (…) importam para mim.

“Estou aqui.”

Continuei a ler três páginas depois:

Não escreva nada, não nos procuramos mais: um dia nos cruzamos por acaso, de repente, e então vemos o que aconteceu a nossos rancores e reagimos de acordo com isso. Mas se você quiser me contar das suas funduras, e não apenas defender-se — e os amigos são, sim, para trocar abismos — então me escreva.

“Estou aqui”

“Eu já ouvi. Onde você esteve esse tempo todo?”

“Por aí... Você não estava precisando de mim”

“Queria que você pudesse me abraçar”

“Também queria”

Aumentei o som. Continuei lendo em voz alta para nós dois.

O sorvete derreteu.

Ele se foi.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Dia Samba

Hoje é comemorado o Dia Nacional do Samba. Este gostoso gênero musical que mistura cavaquinho, cuica, pandeiro e que balança qualquer pessoa que dance em qualquer lugar é um ritmo de muita alegria.

A data foi escolhida por um vereador baiano em homenagem à primeira vez em que Ary Barroso esteve em Salvador.

No Brasil, o Dia do Samba é comemorado em maior ascensão no Rio de Janeiro e em Salvador.

Bem, já que um CD geralmente possui 13 faixas, escolhi pra vocês 13 sambas. Alguns dos meus preferidos, só não sei a ordem de preferência. Mexam-se! Remexam-se!











11° Vou deitar e rolar - Baden Powell, imortal na voz de Elis.



E aí? Gostaram?
Não acabou, né?! Claaaaaaaaaaaro que toda seleção deve ter bonus track.


Ainnn, como foi difícil. Agora um pedido:


Um salve a santíssima trindade - Cartola, Paulinho da Viola e Chico Buarque e um beijo todo especial para Dona Ivone Lara, mãe de todos os santos.

Amém. Salve o samba!


quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Escreve-me

Lá pelo final da década de 90, eu tive um professor de português/literatura/redação chamado Walter Rebouças. Já contei outras histórias dele (só buscar nos arquivos) e ele sempre está muito presente porque foi um dos causadores-mor do meu despertar literário. Lembro claramente e sempre gosto de lembrar, do quanto os olhos azuis de Walter brilhavam quando ele falava em Clarice Lispector e Cecília Meireles. Lembro do mesmo olhar, espantado, quando eu o disse numa tarde nos corredores do Diocesano Santa Luzia que estava lendo Caio Fernando e ele sorrindo falou: amanhã vou lhe apresentar Ana Cristina César. E Walter sempre tinha um autor novo, um livro novo, um texto novo, uma classe gramatical nova e uma chateação nova comigo porque, bem, bem eu nunca soube muito bem o lugar das vírgulas, dos pontos e dos pontos-vírgula. Literalmente falando, claro.

E eu preciso confessar uma coisa (até desnecessária): nunca morri de amores pelos os poetas. A mim, sempre encantou mais a leveza dos cronistas. Porque um cronista você não ama impunemente, só que isso é uma história que eu vou deixar para depois.

Comecei a escrever para contar o dia em que Walter entrou na sala portando um poema de Florbela Espanca impresso em folhas de papel oficio, para analisarmos a estética, a métrica e a dialética – que eu já segui rimando uma coisa que nada com a outra tem a ver. Pois bem. O poema de Florbela que eu fui apresentada é coincidentemente o poema dela que eu acho mais bonito:


Escreve-me! Ainda que seja só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta
Como um perfume casto d’açucenas!

Escreve-me! Há tanto, há tanto tempo
Que te não vejo, amor! Meu coração
Morreu já, e no mundo aos pobres mortos
Ninguém nega uma frase d’oração!

“Amo-te!” Cinco letras pequeninas,
Folhas leves e tenras de boninas,
Um poema d’amor e felicidade!

Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então… brandas… serenas…
Cinco pétalas roxas de saudade…


Os anos se passaram. Muitos. Mais de dez. E eu tive um amigo apaixonado pela obra de Florbela. Nós, eu e meu amigo, nos escrevíamos diariamente e ele sempre terminava suas notícias despedindo-se:


Escreve-me! Ainda que seja só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta
Como um perfume casto d’açucenas!


Nos apaixonamos. A amizade acabou.

Hoje, saí do trabalho pensando em tantas coisas que só lembrei de ligar o som quando já estava lá pelo quinto semáforo.

Nouvelle Vague – Faixa 8 – In a manner of speaking

Quando chegou ao refrão, aumentei um nível do volume. Dois. Três.


“Oh give me the words

Give me the words

That tell me nothing

Ohohohoh give me the words

Give me the words

That tell me everything”


O silêncio das palavras. Lavra.

Dê-me as palavras.

Escreve-me!