quarta-feira, 30 de maio de 2012

“Ninguém tem a receita da felicidade. Na hora infeliz, de nada valerão os mais elaborados cozidos do contentamento. Se para algumas mulheres a tristeza é até motor do apetite, não convém empanturrar-se nos dias de angústia”, assim começa o primeiro parágrafo do ‘livro de receita para mulheres tristes’, Héctor Abad. Comprei outro domingo desses, na Livraria Cultura, tomada de revolta com o Abad que exclui qualquer possibilidade de tristeza nos homens a partir do título. 

Li “num sentada”, como se diz...e é um livro leve, mas cheio de ingredientes que deveriam ser receitados por toda nutricionista/endocrinologista/psicólogo que se preze para matar a fome sem engordar as ideias.

Aquela fome de um novo amor ou aquela fome, a pior de todas, que nos come a alma, as vísceras, as forças e até o coração quando se foi um amor. Excelente as receitas de Abad sobre amor feliz, solidão feliz, medo da velhice e angústia sem nome. Os copos d’água e a quantidade exata de vodka necessária para aplacar uma dor. Ou uma saudade.

As colheradas de nutella para adoçar os momentos amargos e as pitadinhas de sal, necessárias para dar gosto aos momentos estacionados da vida.

A vontade de preparar um banquete para o presente, como se estivesse cozinhando os ovos lentamente ou mexendo-os para colocar mais energia e agilidade aos acontecimentos almejados, me veio como a necessidade de temperar um amor - fervendo, sangrando, adoçando, e claro, comendo e lambendo os beiços com a mesma sensação de contentamento e prazer de degustar uma carne.  

Talvez fossemos ótimos escritores de autoajuda ou filosofia, principalmente se colocássemos em prática metade das lições que aconselhamos e até sabemos. Mas viver no mundo do impossível, do improvável, da espera do milagre, da felicidade das praças no fim da tarde alimentando pombos e atravessando oceanos para amar madrugada adentro não nos faz cozinheiros dos nossos desejos. Não mata a nossa própria fome.  

Ao contrário de Abad, não tenho trato com ervas, verduras, frutos, raízes e etc. Talvez só tenha apenas receitas de muito amor e carinho para temperar meus estrogonofes e algumas relações, que vezenquanto até desoneram, mas quase nunca perdem o ponto. 

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Quando ele vem


Quando ele vem, a rede estala os armadores e torce os punhos aumentando a intensidade do impulso no balanço que pode alcançar o céu.

Quando ele vem, o travesseiro é dividido em ombros, e os sonhos sonhados de olhos abertos na penumbra de curvas percorridas pelo tilintar dos dedos.

Quando ele vem, a cama fica cheia de troncos e pernas e braços e cheiros de pele e pelos caídos, dobrando a densidade populacional do meu sofá-cama até alguém desfazer a cama em sofá e tirar os lençóis.

Quando ele vem, as juras são sonolentamente sussurradas lábio a lábio refletindo o arrepio da pele, vendo estrelas e ameaçando uma fuga apressada sob os lençóis, sobre o box, sobre o chão.

Quando ele vem, o entregador não demora com a pizza, o telefone não insiste no toque, a música começa e não termina num repeat insistente como no repeat mora o gesto de encontro dos nossos calcanhares.

Quando ele vem, o garçom reclama minha ausência no bar, levo falta com os amigos na esquina e desmarco qualquer outra coisa que não seja vivida com a urgência de nos viver.

Quando ele vem, o domingo é um saco, o fim da tarde chega depressa, logo o sol se põe e o futebol termina, e as famílias habitam as praças de adultos dentro da realidade de crianças sem super heróis.

Quando ele vem, o dia seguinte é modorrento e há violões por todos os cantos e o telefone toca o tempo todo e os emails chegam o tempo todo e os carros buzinam o tempo todo e em cada gota de saudade eu vejo sabão-em-bolha competindo com a poeira que voa no ar.

Quando ele vem, a semana é cheia de becos sem saída e o sol vai reacendendo girassóis nos canteiros e os relógios, como os apaixonados flanam sem rumos nas esquinas, começam a girar por obrigação.

Quando ele vem, nada mais importa. Nada mais é longe. Nada mais demora. Nada mais é feio. Nada mais é triste. Nada mais é perdido. Nada mais é desamor. O desalinho é ninho.

Até,
quando ele vem.


8 de julho de 2009.

domingo, 13 de maio de 2012

Sobre Minha Mãe....

Quero falar de uma coisa: do amor que eu sinto pela Minha Mãe.

Porque sempre que eu me refiro a ela eu me refiro como Minha. Como o meu verdadeiro e único sentimento eterno de posse e dependência – ainda que a vida nos separe, ela continuará sendo minha. Minha Mãe.

Minha e das Minhas irmãs que quando as incluo no amor tudo se transforma em algo muito maior, na nossa família.

E outro dia, depois de um dia exaustivo de trabalho, Minha Mãe me ligou perguntando quanto tempo eu ainda demoraria pra chegar em casa, e eu, depois de desligar o telefone, me perguntei quanto tempo ainda me resta para que ela me ligue perguntando quando tempo eu ainda vou demorar?

Demorar pra entender que todas as suas lições, limites e castigos impostos desde lá detrás, são para que eu seja uma pessoa melhor – ou perto, ou longe do que sou - não sei, mas que eu seja algo parecido com ela. Com a Minha Mãe.

Demorar pra entender que minha rebeldia causa contratempos, que o meu sofrimento causa angústia, que minha demora causa inquietação, que minha solidão causa silêncio.

Demorar pra entender que as minhas conquistas causam sorrisos, que a minha participação causa segurança, que o meu amor causa gratidão. E o seu amor não tem pressa. E sempre tá pronto para ouvir, perdoar, abraçar.

Como é bom gritar: Mããããããããããe e minutos depois, Minha Mãe escancarar a porta sorrindo. Como é bom sentir as mãos da Minha Mãe desembaraçando os meus cabelos. E saber que Minha Mãe cuida da vida dela e todo o resto e que talvez, o mais difícil seja dá conta de ser Minha Mãe.

Lembro de uma noite, talvez uma das piores da minha vida, em que voltava de Natal, uma solidão que eu queria morrer dentro daquele ônibus frio e daquela chuva balançada na estrada, então lembrei que era véspera do Dia das Mães, e a única coisa que me dava esperança era saber que da janela, ainda longe, eu veria seu carro estacionado me esperando chegar, e que eu poderia chorar, Minha Mãe, eu poderia adoecer, dizer tudo que eu estava sentindo, que eu tinha deixado de sentir, mas ali eu tinha abrigo sem justificativa. Nada mais poderia me acontecer de mal, porque eu iria encontrar Minha Mãe. E não precisaria mais de nada.

Lembro da gente olhando fotografias outro dia, e rindo do quanto eu cresci, do quanto Minha Mãe não envelheceu. Tá lá, naquela foto do São João no aconchego do colo, na da minha formatura, onde Minha Mãe ergue meu diploma como se fosse dEla. E é. Porque as minhas conquistas são.

Lembro de nós duas, quando cabíamos juntas na mesma rede, e balançávamos, ríamos, cantávamos....Minha Mãe me contava histórias e inventava estórias para me contar as coisas reais da vida. Me contou como eu faria pra dividir o seu amor dali em diante com a chegada das Minhas Irmãs e contou como talvez se sentiria quando eu dividisse o seu amor com meus filhos.

Foi Minha Mãe quem deu. Foi Minha Mãe quem fez. Foi Minha Mãe quem ensinou. Foi Minha Mãe quem orientou. Foi Minha Mãe quem disse. Foi Minha Mãe quem atendeu. Foi Minha Mãe quem amou a cada segundo, até nos momentos em que eu não me amei.

Eu não entendo tanto amor, Minha Mãe. Mas agradeço, respeito, valorizo, aproveito e do meu jeito meio torto de amar, até tento retribuir.

Porque talvez eu leve a vida inteira – e até tenha filhos – mas nunca consiga entender o que é ter Mãe.