terça-feira, 26 de abril de 2011

Era um amor de

Decidiram que seria amor pelo jeito que os lábios clamavam sós, em ouvir a voz um do outro. Os lábios da boca ardiam, os da vagina incendiavam aliviados pelo o mel que escorria entre as pernas tremidas e desiquilibradas de tesão. Era um amor com base de sílex e a boca embaixo por sobre as coxas consteladas. Era um amor de pau duro, de seio duro, de peito duro. Era um amor de se foder sem descanso. Era um amor o tempo todo arrepiado. De esquecer que existia qualquer tipo de vida que não fosse de corpos suados um sobre outro revezando posições de desejo. De se lamber a nuca e as nádegas. De se transportar pra dentro do outro por inteiro e sentir-se pulsar, e vibrar, e não sentir-se mais. Era um amor de não se tomar banho todos os dias, e de se quando dessem banho não ensaboassem o gosto do amor. Era um amor sem frescuras, sem lugares, sem limites. Sem batentes, apenas com degraus. Sem escovas de dente, sem esponja de banho, sem telefone celular, email ou redes sociais, mas com bancos de praça, gramas de parque, redes de praia. Sem fuga certa, sem destino. Era amor de várias trilhas sonoras, de muitos caminhos. Pernas, pés, mãos, braços. Era um amor da cabeça aos pés. Era um amor de masturbações ao vento. De plúmbeos relentos abortados dos pulmões. Era um amor de lampejo grave, que se liquefazia lento. Válvula de ressureição. Amor de fogo, sem ar. Era um amor de olhos exumados e pupilas dilatadas. Era um amor que brotava areia de dentro dos ossos para semear vontade. Era um amor de febre e sussurros, sem palavras, que asfixiava a memória e ecoava no tempo. Era um amor que até os santos rogavam por nós. Era um amor de trincar dentes presos aos cabelos. Era um amor de abraços acostelados que nunca se venceram. Era um amor sem fronteiras, sem horários, sem distância, sem medos, sem programações, sem amanhã. Por isso se davam tão bem, por isso foi feliz, por isso decidiram que seria amor. Era um amor de presente – porque os amores bem sucedidos também existem.

domingo, 24 de abril de 2011

Um carrossel de sonhos

Eu tive um sonho à beira-mar. Era madrugada que amanhecia sobre chuva. As jangadas levantavam suas velas enquanto eu balançava os sonhos sob a rede armada na varanda que dava pra praia.

Ouvíamos Belchior tomando vinho barato e discutindo coisas que somente as estrelas ouviam – as do espaço e as do mar. Outras pessoas chegavam, se beijando, se embriagado e se amando, cheguei até a pensar que essa historinha de espirito de paz durante a páscoa não era balela, enquanto acendíamos cigarros para aquecer o frio que o vento da chuva ardia. Falávamos do quanto o frio também arde, principalmente quando o fogo de quem está por perto não aquece.

Liamos, cantávamos, gargalhávamos das nossas próprias histórias e, como nos sonhos, constatávamos que felicidade é mesmo algo que não se compra. Aprendemos isso cedo, ainda que longe. Mas a vida compensa quando tudo começa a girar.

E, sempre que a roda da minha vida começa a girar lembro o carrossel azul que eu tinha na infância, meu brinquedo favorito. Adorava passar horas dando corda enquanto os cavalinhos giravam subindo e descendo ao som daquela melodia de porta joia variada entre a 21° Andante de Mozart e a 9° Sinfonia de Beethoven. Acho que comecei a enlouquecer naquela época, por volta dos cinco, seis anos de idade.

Perdi o carrossel entre as idas e vindas da casa da minha Mãe pra casa da minha Avó. E, noutro fim de tarde de janeiro me emocionei quando cheguei pra fazer um lanche nessas cafeterias de calçadão e, na vitrine, um carrossel parecido com o da minha infância, só que vermelho. Entrei num estado de emoção tão intenso que partilhei a história com os amigos que me faziam companhia. O carrossel da cafeteria estava à venda por um preço elevado para nós que tínhamos saído de casa pra fazer um lanche no calçadão da esquina.

Daí, meses depois, um dos amigos que estavam conosco no café me convidou para outro lanche na cafeteria do calçadão e me presenteou com o carrossel. Mais bonito do que o que eu tinha quando era criança. Mais moderno, maior, 50 opções de melodias. A emoção ficou pra quem viu. Só posso garantir que, naquela tarde, ninguém no mundo foi mais feliz que eu.

Trouxe o carrossel pro meu quarto como uma criança que não leva desaforo pra casa e acelero a minha loucura quando apago todas as luzes e deixo que ele ilumine a noite girando na velocidade dos meus sonhos.

Eu tive um sonho à beira-mar. Sonhei que o meu carrossel ganhava vida. Que os cavalos libertavam-se das amarras, soltando-se dos mastros de ferro e ganhando o mar. Dezenas de cavalos coloridos correndo em disparada em busca de liberdade. Se atropelando, sem saber se equilibrar direito, o vento batendo na crista, as patas fugindo a galope. Atropelando tudo.

Um ficou. Eu queria perder as forças, mas ele não deixava. Eu queria soltá-lo, mas não conseguia. Até que consegui montá-lo. Fugimos juntos. Acordei quando ele ia entrar além mar.

“Calma, foi só um sonho”.

Mas tinham marcas de patas das dezenas de cavalos na areia da praia, por um horizonte infinito, eu garanto.



Eis o meu carrossel atual

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Este texto é dedicado à André Miranda (@andremiranda79) - por acreditar nos sonhos, nos meus, inclusive, e por ter me dado o carrossel, rs. À Lidiane Mary (@LidianeMary) que faz aniversário neste domingo de sonhos. E, a você, que se liberta das amarras do chão só pela inquietude de ir pras nuvens, sonhar.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Sobre acreditar nas pessoas,

Eu sempre acreditei nas pessoas. E na verdade, sempre achei que ganharia mais acreditando. E sempre quis que todo mundo acreditasse. E quando possível, sempre fiz que todo mundo acreditasse.

Talvez por ser sincera demais. Talvez por ser inteira demais. Talvez por ser verdadeira demais. Mas especialmente por saber que a reciprocidade ou a falta dela, que partisse de mim, seria verdade. Prefiro agir assim pra não faltar com a minha responsabilidade no que eu faço o outro sentir, ou no que eu digo para provocar felicidade no outro. Por não mentir pra mim, por me proteger de me enganar. Para não fazer feliz e ver triste depois.

E, assim, mais do que me dizem, eu sempre acreditei muito no que eu sinto. Sempre acreditei na minha intuição e nunca deixei de acreditar. Coelhinho da páscoa, Papai Noel, fim do mundo, sapo que vira príncipe, abóbora que vira carruagem, sempre acreditei. E, nas pessoas, também.

Sou daquela gente que você se sente a vontade de contar logo toda a sua vida de cara, mas também sou daquelas pessoas francas que preferem a dor da verdade, se é que a verdade dói. E se de alguma forma a verdade pode causar uma dorzinha na alma nunca será maior do que a cicatriz que uma mentira ou decepção podem causar.

Pois bem. Eu sempre acreditei nas pessoas. E mais, sempre acreditei nas verdades que elas me dizem. Eu sempre entendi a verdade.

Eu sempre acreditei nas pessoas, mas estou desconfiada. Estou com medo. E nisso, eu vou errando e me decepcionando, porque sempre prefiro acreditar que o outro é bom. Sempre prefiro me abrir, me doar, me entregar e fazer a minha parte de dar sempre a minha verdade. Reflexo de tudo que a gente vê, que a gente ouve e que a gente sabe que os outros são capazes.

Depois, fico querendo repostas... e aí nasce todo aquele processo de dúvidas porque as atitudes muitas vezes não condizem com as palavras. As do outro. E as minhas também, por que não?! Mas eu concerto com a verdade. E evito ao máximo ser egoísta magoando alguém.

Eu sempre acreditei nas pessoas. Sei que isso tem mudado. A amargura e o tempo deixam a alma vazia. Mas a crença é um detalhe pequeno diante de tudo que a gente sente por alguém e tudo que somos capazes de nos submeter e fazer quando acreditamos.

Eu sempre acreditei nas pessoas, no que elas dizem e nas melhores intenções e interesses que elas têm. Penso continuar acreditando para não julgar a forma como elas agem.

Vezenquando me sinto idiota (por acreditar). Não sei se feliz ou infeliz. Acreditar me basta. Em quem? Em quê? Nunca sei também. O meu estado de graça se faz em nunca perder a fé.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Sobre a indecisão

Há de se aplaudir as pessoas indecisas. Elas conseguem viver como se atravessassem uma poça d'água o tempo inteiro. Ou como se flutuassem na corda bamba sem sombrinha. Como se dançassem embriagadas na chuva. O jeito corajoso das pessoas indecisas transitarem entre a dúvida do quero ou não quero como se despetalassem uma margarida em gesto de bem me quer mal me quer. Como se permitissem decidir tudo no par ou ímpar, no zerinho ou um. Como se não tivessem outro jeito mais gostoso de resolver do que machucar a alma nas dúvidas da indecisão. Não há outra opção para o indeciso além da de não resolver.

Há de se aplaudir as pessoas indecisas. Elas conseguem viver em nível de tortura o tempo inteiro. Torturando a própria alma e a calma do outro. O jeito eremita que as pessoas indecisas têm de vagarem na vida como se fossem despetalar um amor, como se o sentir fosse uma eterna dúvida entre a felicidade e a infelicidade.

Há de se respeitar as pessoas indecisas. Elas deixam que a vida decida por elas. Deixam a vida levá-las como queira. Deixam pra vida ou pros outros a decisão dos seus caminhos, dos seus desejos. E levam a vida até o último limite do corpo, do sofrimento.

Há de se cuidar das pessoas indecisas. Elas estão sangrando o tempo todo.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Agora a pouco uma amiga me ligou comentado que estava pronta para contar ao homem por quem ela está apaixonada que está apaixonada por ele. Me disse assim, que diria na lata, assim que ele atendesse o telefone e falasse: alô. Na situação em que eles se encontram, coragem dela. Que corre o risco de perder algumas coisas que podem ser menos passageiras que a paixão. Ou não.

Ela se entregou demais pra ele, me relatou. Dedicou toda a sua sinceridade, amizade e companheirismo, até que se apaixonou. E não soube, como ninguém sabe, o ponto certo de se doar e até quanto se entregar vale a pena. Às vezes, não vale. Não. A gente começa a se dá sem querer nada em troca. Sem compromisso, sem ciúmes e depois...

Depois não é por muito tempo que conseguimos encher os copos de água para o outro enquanto morremos de sede. Queremos sempre encher o bucho d'água.

"Minha paixão por ele é tão grande, que eu já me vejo capaz de ouví-lo me fazer confissões de outro amor pelo o simples prazer de estar com ele, de ouvir a voz" - me disse, e eu silenciei ao ponto dela precisar me chamar de volta à ligação. Não seria justo dizer a ela o que eu faria. Talvez me afastasse ou talvez não.

Não são estas atitudes humanas uma maneira de simplesmente alimentar o egoísmo do outro? É. Porque é cômodo demais apenas receber…

Ter alguém que lhe dê amor, se sujeitando a não pedir nada em troca.

domingo, 10 de abril de 2011

Casa 55

Caía uma forte chuva hoje quando eu passei de carro na rua em que morei durante a infância. As goteiras jorravam água com pressão de cachoeira. O vento dava nos telhados como se os tetos fossem desabar. Crianças corriam empurrando umas as outras enfileiradas na disputa do banho das águas milagrosas que choravam das nuvens. Adolescentes espalhavam as poças d’água formadas no chão; de bicicletas, com suas bolas, com seus sorrisos, com seus olhos molhados e a alma lavada pela a esperança da possibilidade de conquistar qualquer coisa.

Tive vontade de descer e correr com elas.

Lembrei que outro domingo desses era eu quem estava lá desfrutando dos caminhos de uma infância feliz.

Passei pela rua até chegar mais ou menos em frente a casa em que eu morei até os meus dez anos, aproximadamente.

Tive vontade de bater palmas e pedir pra entrar até o quintal e ver se ainda tinha aquele pé de limão e aquela lavanderia com um tonel enferrujado em cima do batente de cimento. Queria saber se os quartos ainda tinham o piso de cimento vermelho que eu adorava brincar de passar cera e se na sala o piso ainda era de cimento verde dando um tom total de esperança. Se ainda daria pra contar as telhas e ficar imaginando que existia vida morando nelas, e que, talvez, a família dos cupins também brigassem pela sintonia do único canal de TV na hora da novela.

Impossivel colocar a vida pra quarar na chuva. Então, preferi desistir da ideia de molhar minha imaginação. Receio. Receio de não está mais tudo igual e da imagem atual alterar toda a lembrança de cores e movimentos que eu carrego até hoje. De não existir mais o pé de limão no quintal e do piso de cimento ter sido trocado por uma cerâmica brilhosa e delicada.

Tem riscos que é mais maduro não viver. Não quero sair da infância. Prefiro que ela permaneça igual. Que as imagens sejam impermeáveis ao tempo da minha memória. É a minha saída para continuar achando que tudo é possível.

A chuva passa e a água limpa os rastros que deixa. A imaginação e os sonhos permanecem, infantes, iguais. Basta apenas se permitir correr na chuva feito criança.

Molhar o corpo, lavar a alma.

Cultivar os desejos, lavrar os sonhos.

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Depois que escrevi o texto, lembrei de uma música que também faz parte desta história. Lembrei do quanto aquela casa era musical, do quanto cantávamos na vitrola de madeira, no rádio a pilha, no violão azul. O movimento da rua, o motor do caminhão do meu Avô aquecendo, os pássaros cantando. Dos sons dos dias, da música com gosto de baunilha e manacá:

Casa de Palha - Beto Guedes