segunda-feira, 25 de maio de 2009

Medo de Morrer

Já tive medo da morte. Hoje não tenho mais. Mas tenho muito medo de morrer. Tenho medo de sentir dor, medo de depender na verdade. De precisar que alguém me leve ao banheiro, que troque minhas roupas; medo de colocar sondas, medo de morfinas. Tenho medo que a passagem para o lado de lá seja cara e demorada.

Ontem eu senti muito medo. Viajava no ônibus de Natal para Mossoró no início da tarde quando depois de Lajes uma tempestade começou a descer bravamente do céu. Ninguém via um palmo na frente e olhando da janela não se via a paisagem. Água, escuridão às três horas da tarde, relâmpagos, trovões, o ônibus balançava, as crianças choravam, as idosas começavam a rezar e cantar ‘Segura na mão de Deus’.

Sinceramente, achei que não chegaria em casa. Eu olhava da janela e via os relâmpagos cortarem os céus. O telefone celular sem sinal. Tive medo de ter uma morte desesperada.

Comovi-me com o drama de um amigo muito querido de dezenove anos que morreu de cirrose hepática há dez dias. Filipe sofreu. Trocou um órgão (fígado), fez dezenas de transfusões sanguíneas e, depois de morrer de dor, pegou uma infecção generalizada que afetou primeiro um rim, e o tirou da vida. A morte o livrou da dor e do sofrimento tanto, que o fez pedir para morrer.

A chuva engrossava e eu via desespero, pavor e angústia nos olhos de algumas pessoas, outras dormiam tranquilamente. E eu pedia insistentemente “Fazem-me viver”. Fizeram.

E fizeram eu não olhar a vida sob a forma de batidas no coração.

Não mais.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

'A gente mal nasce e começa a morrer'

Quando eu era criança lembro que sempre que alguém morria minha avó costumava dizer: “é uns morrendo para dar vida aos outros”. Minha avó materna chama-se Terezinha Araújo, me criou até o dia que morreu, era daquelas beatas de passar o dia rezando o terço. Foi ela quem mais me ensinou sobre a morte. Morreu nos meus braços, num verão que eu nunca vou esquecer.

Lembro-me dela todos os dias, nas coisas mais simples, e agradeço por ter nascido primeiro do que meus primos e ter experimentado o seu amor dobrado, o seu colo, a sua canja quente de galinha e os passeios no centro da cidade nas tardes ensolaradas, terminadas na padaria, claro, depois de passar na capela do Coração de Jesus.

Essa semana descobrimos que minha prima de 17 anos está grávida do namorado de 18. Cheguei em casa e a CPI acontecia na cozinha, estava vendo a hora perguntarem a ela como foi. Meu avô, meus tios, ela e o rapaz. Parecia um júri; os réus, os acusadores, as testemunhas, todos perdendo tempo em comemorar a chegada de uma nova vida. Sei que não é fácil, ela rompeu algumas expectativas que os pais tinham nela, mas, a vida continua e ela pode continuar também.

Depois que todos foram embora me flagrei rindo sozinha desses tempos modernos. No ano 2001 eu tinha 17 anos e por pouco não acreditava que a cegonha tinha me deixado na porta de casa e hoje, a menina loirinha que eu brincava porque era do tamanho das minhas bonecas vai dar um bisneto a vovô primeiro que eu.

As ordens naturais estão sendo rompidas. As etapas da vida ultrapassadas com a velocidade de uma corrida. E é estranho quando isso acontece. A gente não se acostuma, e sempre acredita na lei do vizinho.

Ontem, acompanhei o velório e o enterro de um rapaz de 19 anos que morreu de um transplante de fígado. Lutou como um guerreiro, não se entregou um segundo se quer, lutou pra vencer e venceu. Partiu para viver outra fase que também faz parte da vida. Os pais questionavam o porquê do rapaz alegre, inteligente, cheio de vida e vontade de viver tinha partido primeiro que eles. Não entendiam, confesso que também não entendo.

Sempre acreditei que viver é mais do que os compromissos e as sensações daqui, o mistério está no que vem depois, antecipado pela vida que veio antes.

Viver deve ser mesmo criar a oportunidade de não deixar nada para depois.

Amanhã é um longo tempo.

Não adianta se afligir, somos espuma.

domingo, 10 de maio de 2009

Humano amor amigo

Difícil é mensurar as pessoas. Ou melhor, difícil é mensurar a importância de algumas pessoas em nossas vidas. Eu sou privilegiada; tenho amigos. Somo-os nos dedos de uma mão, mas os tenho. Engraçado é que são amizades longas, são pessoas que cresceram comigo, alguns eu vejo sempre, outros muito raramente, mas todos, quando eu vejo parece que foi ontem.

Não queria citar nomes, cada um tem o seu dom, sua especialidade, seu carisma, seu cuidado, e para cada assunto específico tem o que se encaixa melhor. E eu? É, tenho essa mania meio doida de cuidar das pessoas, de gostar de gente.

Há aproximadamente quinze dias Robertha me ligou. Ah, Robertha é... bem, ela é... Não, não sei dizer muito bem o que ela é, porque não há no meu vocabulário adjetivos que lhe sejam justos, que se aproximem do que ela significa na minha vida nesses quase 15 anos de amizade.

Mas ela me ligou naquela noite de sexta-feira 24 de abril. E engraçado que ela não perguntou como eu estava, onde eu estava, o que eu sentia, apenas disse: Ta em Natal? Venha aqui pra casa! E eu fui imediatamente. A casa dela é minha casa. A família dela é minha família. Lá eu ando de camisola, coloco bobbies nos cabelos, durmo sem tomar banho, falo alto, cozinho, choro de rir, deito no sofá e mudo o canal da TV da sala.

Quantas vezes os meus olhos não viram e as mãos seguras dela me ajudaram a andar? Amizade existe. A verdade existe. Senti naquela sexta-feira. Robertha já me decepcionou muito menos do que eu a decepcionei e esteve ao meu lado muito mais do que eu estive ao lado dela, é o meu jeito doido, atrapalhado e esquisito que ela entende e aceita sem questionar. Eu vejo o quando Deus a usa para falar o que eu preciso ouvir.

Engraçado como eu nunca preciso contar nada pra ela. Robertha me conhece mentindo, omitindo, sabe quando eu sou capaz, sabe quando não, conhece o tom da voz, conhece o jeito de olhar, sabe quando eu preciso de zuada e principalmente, quando eu preciso de silêncio. Nesse dia ela me apresentou uma música e eu me lembro que enquanto eu ouvia, a letra me tomava de uma forma tão profunda e plena que eu só conseguia chorar. Eu olhava pra TV, tinha vergonha de olhar pra ela, que não falou, não julgou, não perguntou, permaneceu sentada em silêncio e mal sabia que naquele momento eu chorava comovida pela letra, emocionada de felicidade por tê-la na minha vida e por saber principalmente que ela é verdadeira, que a amizade dela é de graça. Que ela gosta de mim exatamente como eu sou.

Lembro que tinha uma parte muito forte da letra que dizia: “Tens o dom de ouvir segredos mesmo se me calo. E se falo me escutas queres compreender...” e eu chorando, chorando e ela ali, em silêncio, ouvindo minhas lágrimas como se eu vomitasse palavras e discursos de dor. E a letra continuava relatando “tens o dom de ver estradas onde eu vejo o fim. Me convences quando falas ‘não é bem assim’...” e eu pensando na nossa amizade. Pensando em tudo que já enfrantamos juntas de bom, de ruim, de forte, de engraçado, de maravilhoso; quantas vitórias, quantas conquistas, quantas coisas ela me ensinou, quantas coisas perdemos, quantas coisas queríamos da nossa forma, do nosso jeito, e depois compreendemos que do jeito de Deus seria bem melhor. Como uma amizade verdadeira faz diferença na vida.

Eu sei que se um dia algo me faltar, não importa, tenho a sua amizade que sempre me diz: Coragem, Larissa, coragem!