segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

 

Existe um processo muito dolorido no envelhecimento quando ele acontece na lucidez. A sã consciência para quem está envelhecendo vem somada a certeza de que o tempo está acabando. E é péssimo isso.

Meu Avô, pai da Minha Mãe, foi o homem mais forte que eu conheci. Morei com ele até o dia em que me casei, e ainda hoje, de vez em quando, venho dormir com ele. Aliás, passar a noite, porque assim como um bebê recém-nascido, ele tem trocado a noite pelo dia.

Eu passaria a noite escrevendo histórias sobre ele e sobre as coisas que ele fazia. Semi anafalbeto, mal escreve o próprio nome, mas formou todos os filhos na Universidade da educação e da vida. E sente orgulho disso. Nunca entendeu muito bem o que eu faço, e também eu nunca consegui muito bem explicar. Mas, ele morria de orgulho. Sempre eu tinha que contar tudo pra ele: como foi o evento, como foi a viagem, como estavam os aeroportos. Ele queria saber tudo, pra sair contando por aí. Tinha muitos amigos: na esquina no Vuco-Vuco, de Tonhão, de Gonzaga da Panelada e de lugares que a gente talvez nunca vá saber.

Me ensinou a coisa mais linda da vida: o valor das pessoas. A importância de entender que a gente precisa dos outros, mesmo que sempre entendesse que não precisava de ninguém, por sim, ele tinha um ar de superioridade e autossuficiência que irritava Vovó. Lembro bem.

Um dia, pouco tempo depois que ele veio morar com a gente na casa da minha Mãe, cheguei do trabalho e ele estava chateado. Minha Tia tinha trazido uma pilha de disco de vinil antigo e ele não tinha onde ouvir “Neco do Arcodeon” comprei uma vitrola e dei de presente na semana seguinte. Foram semanas deitado trocando LPs. Nelson Gonçalves, Waldick Soriano, Gonzagão, Milionário e Zé Rico.

De 2016 pra cá, ele vem se perdendo no tempo. A diabetes, o coração, a pandemia, o isolamento, o rim, os remédios.

A sã consciência.

Temos feito tudo. Levamos ele aos lugares que ele gosta, só damos as comidas que ele pede. Todos os seus gostos e vontades sendo executados com sucesso.

Vou confessar uma coisa: tinha dias que eu chegava tão cansada, que nem rezava. Porque tinha certeza que Vovô estava rezando por mim. Ele é devoto de Nossa Senhora, tem muita fé, e acho isso lindo. Porque nos momentos que tá sofrendo, é por ela que ele chama.

Outro dia, cheguei cansada de uma viagem e quando ele me viu começou a chorar. Perguntei: Por que tá chorando? Ele disse: Porque sei que meu tempo com você tá acabando. Tentei ser forte e disse: Que conversa...você tem que me proteger. E ele rebateu dizendo que não. Que não tinha mais forças.

Então percebi que agora eu quem preciso ser forte para protege-lo.