Existe um processo muito dolorido
no envelhecimento quando ele acontece na lucidez. A sã consciência para quem
está envelhecendo vem somada a certeza de que o tempo está acabando. E é
péssimo isso.
Meu Avô, pai da Minha Mãe, foi o
homem mais forte que eu conheci. Morei com ele até o dia em que me casei, e
ainda hoje, de vez em quando, venho dormir com ele. Aliás, passar a noite,
porque assim como um bebê recém-nascido, ele tem trocado a noite pelo dia.
Eu passaria a noite escrevendo
histórias sobre ele e sobre as coisas que ele fazia. Semi anafalbeto, mal
escreve o próprio nome, mas formou todos os filhos na Universidade da educação
e da vida. E sente orgulho disso. Nunca entendeu muito bem o que eu faço, e
também eu nunca consegui muito bem explicar. Mas, ele morria de orgulho. Sempre
eu tinha que contar tudo pra ele: como foi o evento, como foi a viagem, como estavam
os aeroportos. Ele queria saber tudo, pra sair contando por aí. Tinha muitos
amigos: na esquina no Vuco-Vuco, de Tonhão, de Gonzaga da Panelada e de lugares
que a gente talvez nunca vá saber.
Me ensinou a coisa mais linda da
vida: o valor das pessoas. A importância de entender que a gente precisa dos
outros, mesmo que sempre entendesse que não precisava de ninguém, por sim, ele
tinha um ar de superioridade e autossuficiência que irritava Vovó. Lembro bem.
Um dia, pouco tempo depois que
ele veio morar com a gente na casa da minha Mãe, cheguei do trabalho e ele
estava chateado. Minha Tia tinha trazido uma pilha de disco de vinil antigo e
ele não tinha onde ouvir “Neco do Arcodeon” comprei uma vitrola e dei de
presente na semana seguinte. Foram semanas deitado trocando LPs. Nelson
Gonçalves, Waldick Soriano, Gonzagão, Milionário e Zé Rico.
De 2016 pra cá, ele vem se
perdendo no tempo. A diabetes, o coração, a pandemia, o isolamento, o rim, os
remédios.
A sã consciência.
Temos feito tudo. Levamos ele aos
lugares que ele gosta, só damos as comidas que ele pede. Todos os seus gostos e
vontades sendo executados com sucesso.
Vou confessar uma coisa: tinha
dias que eu chegava tão cansada, que nem rezava. Porque tinha certeza que Vovô
estava rezando por mim. Ele é devoto de Nossa Senhora, tem muita fé, e acho
isso lindo. Porque nos momentos que tá sofrendo, é por ela que ele chama.
Outro dia, cheguei cansada de uma
viagem e quando ele me viu começou a chorar. Perguntei: Por que tá chorando?
Ele disse: Porque sei que meu tempo com você tá acabando. Tentei ser forte e
disse: Que conversa...você tem que me proteger. E ele rebateu dizendo que não.
Que não tinha mais forças.
Então percebi que agora eu quem
preciso ser forte para protege-lo.