E se a gente pudesse ser uma chaleira? E se o gargalo abrisse e fechasse quando o vapor saísse, funcionando como uma boca que pudesse assobiar melodias bonitas, recitar Neruda ou simplesmente rachar o bico?
Poderiam inventar uma chaleira que lesse com a voz de Chico Buarque para me fazer dormir, ou talvez um conjunto de chaleiras que cantassem o refrão de “Apesar de você”, que é uma composição dele feita em 1970, uma das minhas raisons d’être, que é uma expressão em francês que eu conheço. Outra coisa boa seria se todo mundo pudesse terminar um relacionamento ileso.
Mas ninguém pode. Relacionamentos são ciclos e ciclos são círculos e círculos são fechados. Ninguém nunca está preparado e nem adianta ensaiar discursos. Geralmente, nada acontece como se foi planejado, geralmente o desarmamento pela outra parte é inevitável e geralmente uma das partes não espera a decisão da outra.
É difícil? É. Mas quem disse que a vida é fácil? Mais difícil é ser corrupto com os próprios sentimentos e muita gente é. O alívio que se transforma em paz quando nos livramos de algo que está se tornando repulsivo é tão grande quanto à da vontade presa, aliviada quando se faz xixi. É preciso tempo para se apaixonar. E quem tem tempo para emoções hoje em dia? Quando elas acontecem parecem ficção e a gente desconfia de cada ação espontânea. A verdade é que nos protegemos em cápsulas rigidamente protetoras para evitar momentos de felicidade. Principalmente quando é ocasionado por outra pessoa. Ah, mas falei em felicidade e a tal felicidade é um sentimento dependente.
Sempre o tempo e as escolhas que muitas vezes parecem o amor e o ódio que andam juntinhos, tentando iludir e manipular as nossas desculpas para não fazer o que não fazemos. Não viver o que não vivemos. Mas quê? Chega de viver pela metade. Não se devem temer as escolhas e a dúvida é uma invenção da insegurança, todo mundo sabe o que quer e realmente quer e o que é e verdadeiramente é.
“Mas por que eu não estou onde você está?” “Porque agora é melhor assim, mas não sei se pra sempre será.” “Não fique cético, não fique como eu.” “Como você? Você não acredita nem no refluxo da maré. Vive dizendo que ela não volta.” “E não volta. Observe... Volta?” “Não, não volta.” “Agora vá.” “Não me deixe ir.” “Por favor, vá.” “E quanto ao mar?” “A onda vira já.”
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