Foi o estresse. Entrar naquele lugar e caminhar naqueles corredores altos, com pisos antigos, pintura azul e reencontrar as pessoas que acompanharam os primeiros 16 anos da minha vida depois chorar de emoção não é comum do meu cotidiano.
Há aproximadamente um mês tenho respirado a Feira do Livro, trabalhado mais na Secretária de Educação e Ação Social do que no jornal, visitado escolas, conversado com professores e descoberto coisas que meu vão conhecimento jamais imaginara. Entre algumas desvantagens, trabalhar em jornal dá a oportunidade de conhecer vários mundos e realidades.
O Colégio Diocesano Santa Luzia era pra ter sido uma das primeiras escolas a visitar, mas não sei por que eu sempre adiava, até que chegou o inevitável dia. Antes de ir ligo para coordenação pedagógica e de repente: “É Larissa ex-aluna?” “É Larissa irmã de Keylla do 1° Ano II?” Sim, sim, sou eu. “Ah, Larissa que deu o comprimido para cólica ao professor de Literatura, menina, falam tanto nessa história e hoje você é Gerente de Marketing? Como foi isso?” Não sei! Talvez uma brincadeira do destino. Vamos em frente.
Quando chegamos ao estacionamento foi preciso o motorista chamar minha atenção para eu descer do carro, sentia uma saudade agonizante. A começar por Neguinho na praça e Zé Carlos no portão. Conheço o Diocesano melhor que a palma da minha mão esquerda. Conheço cada esconderijo usado para matar aula, conheço o palco do teatro, conheço a cadeira da presidência do grêmio, conheço as piscinas do parque aquático, que me trouxeram várias medalhas de Jern´s e Interdiocesanos e me deixaram de herança as “minhas costas e braços largos”, conheço a cantina, a biblioteca, a capela com a água benta pendurada na parede que molhávamos as canetas e compassos antes de fazer as provas de trigonometria (ecaaaaaa), a cozinha, o cheiro do café de Dona Maria (que ainda é o mesmo), a serraria de Seu Nilton, a sombra da mangueira e principalmente os sermões de Pe. Sátiro, que sempre ameaçava: “é a última vez que perdôo, vou ter que expulsar você” os professores já me mandavam direto para sala dele, não que eu fosse teimosa é que eu era líder de sala, presidente do grêmio e tinha que dar o tal exemplo, mas eu dizia “façam o que eu digo não o que faço”.
Eu voltei no tempo e estou nostálgica até agora. Reencontrar as mesmas pessoas na secretária, na cantina, na biblioteca, reencontrar alguns professores, entrar na capela, passar em baixo da mangueira, reencontrar tudo como deixei há mais de sete anos é entrar em contato com uma máquina retro, é voltar o tempo literalmente.
E por mais que eu tente expressar vai ser inenarrável. Só quem estudou no Diocesano vai entender o que estou em vão tentando dizer. Vai entender a emoção de vê o Carecão entusiasmadamente lotado nas partidas de futsal, vôlei ou basquete, gritando em coro: “Eu sou Diocesano, eu sou, e a gente vai ganhar e ninguém vai nos segurar! Oba! Oba!” ou simplesmente “Diocesano! Diocesano!”, uma torcida que intimidava qualquer adversário. Uma Fanfarra que parava a Avenida Alberto Maranhão nos desfiles cívicos, quando passava azulada derramando lágrimas e causando arrepios em quem era testemunha ocular e que hoje são reminiscências de uma ex- tocadora de pratos que no apito das cornetas de Márcio ou Roberto (eternos regentes) tocava orgulhosa demais. Boinas e golas de marinheiro. Dia da Pátria, de paz, de comemorar a Libertação dos Escravos e cantar o hino do Brasil, do Rio Grande do Norte, de Mossoró e do Dió sucessivamente. O chão que foi palco da invasão de Lampião era pelica para as “Andanças” da Fanfarra Marcelo Emílio que passava “tocando e cantando coisas de amor”. Estava encostada na janela que fica em frente à quadra interna onde a banda ensaiava os primeiros acordes e minha cabeça corria num túnel do tempo.
Segui para reunião meio lenta. Para minha surpresa o coordenador do ensino médio era meu ex-professor de gramática e produção de texto, a quem eu devo toda essa paixão pelo português e que já foi me abraçando fortemente com um olhar orgulhoso e emocionado, dizendo: “eu sempre soube que você ia comunicar, mas confesso, achei que fosse ser jornalista” e para justificar a decepção, comecei a citar outros colegas como Eduardo Magalhães e Ticianne Oliveira que seguiram a carreira na habilitação que ele esperou pra mim, “amo o marketing e a publicidade”,” tudo bem, minha filha, estás comunicando da mesma forma”. Lindos olhos azuis têm o meu eterno professor, que falava em Clarice, Cecília, Pessoa e Vinicius com uma transparente e confessa paixão.
Falo do projeto do jornal, apresento a programação, fecho os horários, convido-o para compor uma das mesas de debates, e quando estou me retirando da sala sou surpreendida por uma parede gigante atrás de mim com fotos da minha época, com fotos minhas, com fotos do meu último ano, que foram os cem anos do Colégio, respiro fundo e aquela voz rouca questiona: “você não lembrava que tinha sido da turma dos cem anos?” “Não, Mundinha, eu não lembrava. Quer dizer, lembrava, mas...” Abracei-a fortemente e evitava as lágrimas com tanta força que já estava querendo espirar.
Achei melhor me despedir daquele momento, olhando pro chão e me justificando: “foi ótimo revê-los, mas tenho que ir. Ainda tenho que visitar duas escolas”. Vou fugindo sem olhar pra trás quando de repente sentado na cadeira de balanço, observando os alunos saírem depois do toque duplo do sino estava Pe. Sátiro, sem a mesma disposição.
- Pe. Sátiro, bom dia, o senhor lembra-se de mim? (muita audácia minha)
- Como é seu nome?
- Eu sou Larissa, visitava muito sua sala nos anos 90. (Disse sorrindo)
- Lembro vagamente.
- Eu era da turma de Roberta Schumara (que hoje é professora de Educação Física lá), eu fiz aquela campanha “Faça uma criança sorrir”, que a gente ganhou o prêmio da Prefeitura, lembra?
Ele calou-se. Eu me despedi: “Deus abençoe o senhor. Muita saúde e paciência com nossos substitutos”. E fui saindo já não segurando as lágrimas até que ele exclamou:
- Larissa!
- Senhor...
- Não tome remédio para cólica achando que vai aliviar suas dores de cabeças, seu estresse. Respire fundo e viaje no tempo. Deus te abençoe.
- Mas, Padre Sátiro...
Não deu mais para segurar nada.
Abrindo uma rápida digressão: visitem suas ex- escolas e revejam essa história.
Texto escrito em Out/2007.
2 comentários:
Simplesmente maravilhoso!!!
Emocionante...
Toca a alma, especialmente por citar Pe. Sátiro, de quem sou fã incondicional e eterna admiradora.
Fiquei impressionada com a forma como você repassou o diálogo e até a forma como ele estava sentadinho na cadeira de balanço. ;) Consegui imaginar direitinho o comentário dele.
'Você é mara'...!
Fiquei extasiado! Talvez seja da forma como você escreveu ou dos momentos em que você citou e dos quais eu fiz parte também. Sou ex-aluno do DIOCESANO DE SANTA LUZIA e ex-fuzileiro da FANFARRA MARCELO EMÍLIO. Sou também ex-seminarista do Seminário Santa Teresinha. Fico feliz em poder compartilhar das alegrias que, EX-ALUNOS do DIÓ, sentem quando entram ou até mesmo passam em frente do Colégio. SOMOS DIOCESANO, ESSA É A DIFERENÇA.
Abraços!
Aduano Cabral
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