Nunca ninguém tinha tocado as costas dela como ele. Um toque desconhecido que virou vício. Nada relaxava e acalmava mais do quê aquelas mãos quentes e macias deslizando no seu corpo como um fio de seda. A entrega podia ser comparada a uma preliminar sexual, olhos fechados, respiração ofegante e puro esquecimento.
Todas as semanas ela marcava as primeiras sessões da sexta-feira. Chegava, deitava na maca, e entregava-se as mãos daquele rapaz como se entregou a poucos homens na sua vida. Aquelas mãos leves percorriam cuidadosamente cada parte das suas costas, descendo pelos braços, subindo para os ombros, nuca, indo até as pernas e alternando o ritmo dos movimentos que a faziam narcotizar no tempo.
Depois de três meses nessa rotina semanal, aquele homem já conhecia cada parte do seu corpo; ombros, braços, pescoço, pernas. A semana começava na sexta-feira, na hora de encontrá-lo. As primeiras sessões eram silenciosas, escuras, comandada pelo mantra repetitivo do MP3. Depois começaram os papos, a divisão de cotidiano, a troca de experiências, os detalhes em comum, a paquera, o fogo frio que acelerava o coração.
Encontro marcado. Produção, vestido vermelho, salto alto, maquiagem, perfume francês, celular desligado, pontualidade, expectativa. Um atraso? Mas ele não iria se atrasar no primeiro encontro. Ligou o telefone, pensou em mandar um SMS, desistiu. Pediu uma dose de vinho, acendeu um cigarro, olhou o relógio pela décima vez. Cada taxi que passava, cada carro que parava. Nada d’Ele chegar.
Lembrou-se da frase de um amigo escritor contemporâneo que diz “as expectativas fodem tudo” e ela só queria isso com ele mesmo, mas deixar claro seria vulgar demais para uma mulher. Depois da quinta dose ela resolveu ir embora, três horas e meia de atraso, ele não ia aparecer, de fato, não apareceu.
Segunda-feira. A semana ia começar por outro dia. Horário marcado. Ela só tinha que agir como se nada tivesse acontecido. E agiu. As mulheres têm esse dom de fazer que as coisas que aconteceram, ‘desaconteçam’. Passou calados os 45 minutos do atendimento. Não deu a ele sequer um olhar.
As mãos antes firmes trabalhavam trêmulas, suavam frias, percorriam àquele território tão conhecido com a pressa da imperfeição. Não houve entrega. Ela não relaxou como das outras vezes. Ao terminar a sessão levantou-se em um silêncio incomum, tirou da bolsa um bilhete que deixou sob o lençol branco que revestia a maca – testemunha única daquelas sensações. Vestiu-se. Se foi.
Ele pegou o bilhete e colocou-o no bolso da camisa. Não teve coragem de ler. Chegando em casa, acendeu as luzes, ligou o som, abriu uma cerveja e ficou pensando o que teria escrito naquele papel verde limão. Seria o pedido de outro encontro naquela noite?
Abri-o lentamente. Uma caligrafia nítida e cursiva declarava diretamente: “eu teria feito amor com você... de maneiras que você mal poderia imaginar...mas você é incoerente e eu não ficaria entregue em silêncio, desejando, à espera de toques ardentes.”
Parecia que a voz docemente segura dela entoava ali. O som da respiração, do suspiro. Ele inalou às próprias mãos na tentativa de sentir algum vestígio do cheiro daquela mulher. Não restava mais nada.
4 comentários:
Perfeito!
Adorei o torcadilho com a frase " a expectativa fode tudo"...:P
Uma pequena amostra da qualidade textual e acessível que vc tá mostrando Laris. Parabéns. Gostei muito. Mas qual deve ter o motivo dele não ter ido ao encontro? rs
Paulo,
você que é homem. Me responda...
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