segunda-feira, 29 de junho de 2009

O que mudou em você?

Sábado passado encontrei um amigo que não via há anos. Quase não o reconheci. Trocou o terno executivo por um visual despojado, deixou os cabelos crescerem encaracolados, fez duas tatuagens. Casou. Separou. Tem quatro filhos, dois do casamento, um de uma aventura e outro de uma noite casual. Morou na Alemanha, na França, na Inglaterra, em São Paulo, em Ilhéus, em Santarém, e agora, voltou para Mossoró. Veio cuidar da mãe.

Quase não o reconheci. Na verdade, ele me reconheceu. Concordou que a melhor parte do Cidade Junina é a Cidadela. Foi lá, encostados na barraca de algodão doce que ele me contou sua vida inteira nos últimos oitos anos (caracaaaa, já fazem oito anos que terminei o ensino médio). Quando terminou de relatar questionou: “E você?”

Bem... Continuo no mesmo endereço. Continuo tomando três dedos de vodka com duas pedras de gelo e soda que não é sprit, nem seven up e fazendo o que não devo. Continuo comprando todos os livros que gosto do título. Continuo escolhendo os caminhos mais longos. Continuo usando aparelho nos dentes inferiores porque meus ‘dentes queiros’ não crescem. Continuo planejando viagens. Continuo com o mesmo número do plano de saúde. Continuo cantarolando samba o dia inteiro. Continuo indo ao cinema sozinha nas noites de sexta-feira. Continuo sentando no meio da platéia. Continuo vidrada naquilo que ficou a dizer. Continuo mordendo os lábios até ferir. Continuo rindo para os desconhecidos na rua. Continuo usando Listerine antes de escovar os dentes. Continuo detestando dormir de cama. Continuo odiando sapatos. Continuo provocando. Continuo tendo crises alérgicas. Continuo desligando o ar condicionado às 4hrs da manhã. Continuo fazendo as unhas depois de roê-las. Continuo cumprindo promessas. Continuo com os mesmo melhores amigos. Continuo torcendo pelo Botafogo. Continuo colecionando coisas antigas. Continuo viciada em séries policiais. Continuo dormindo com a TV ligada. Continuo adorando o entardecer. Continuo tomando banho nua. Continuo passando hidratante no corpo molhado e enxugando no ventilador. Continuo dormindo perto de uma caneta e de um papel. Continuo matando as saudades por e-mail. Continuo com a mesma conta de MSN. Continuo fracassando nas dietas. Continuo detestando academia. Continuo com o mesmo número de telefone fixo. Enfim... continuo rindo alto. Continuo sofrendo de felicidade excessiva. Continuo dançando ‘Dancing Queen’ de frente pro espelho quando anoitecem os dias difíceis. Continuo meio imobilizada nas minhas manias pessoais.

Ah, uma coisa mudou. As lágrimas. Hoje as derramo no teclado e não no papel.

Deixo tudo no mesmo lugar.

Não rasgo o que foi lido.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Um beijo que tivesse blue

Acordou deprimida. Ligou o chuveiro e deixou a água escorrer como se esquentasse água na chaleira. Ficou fazendo hora para se molhar. O cheiro do alvorecer lembrava os dias na fazenda. Mato. Chuva. Pasto. Um cheiro incomum na cidade. Um aroma estranho para um dia daqueles.

Não quis café. Talvez estivesse quente. Queria qualquer coisa que viesse com o amanhecer. Esperou. Saiu caminhando sem se ligar nos movimentos, nem saber até onde ia. Voltou. Entrou no carro. Ligou o som. Ouvia a voz doce de Zizi Possi cantando “meu bem quer, tem um quê de pecado...” como se fosse uma dose de adrenalina para animá-la a viver. Perdeu os sentidos. Espertou com as buzinas dos carros entoando como flautas doces. Suaves. Distantes.

Estacionou. A loja sombria e velha no centro da cidade lhe chamou a atenção. Era uma colecionadora de coisas antigas. Adorava ter algo raro no seu acervo. Queria viver de passado. Queria sim. Jamais esperaria algo que se deve. Surpreender é o forte. Entrou. Caminhava lentamente entre as prateleiras. Retas. Paralelas. Passos curtos. Flutuantes. Parecia ter medo do que poderia encontrar.

O celular tocou. Uma, duas, três, quatro vezes. O toque. Novamente entoava como uma flauta doce. Suave. Distante. Continuou dedilhando o chão com as pontas dos dedos dos pés. Não, não acordaria o passado.

...
Derrubou um livro.

Este livro.

É jazz do coração. É prosa que dá prêmio. É como diria Ana Cristina César “um tea for two total... tilintar de verdade que você seduz”. Esbarrou nos versos dela com a verdade, a toda, de enfiar carapuça. Cantou.

É doce. É mel. É puro açúcar branco e blue.

Queria um beijo de açúcar. Ao ponto. Não amargo. Não meio amargo. Não enjoado.

Na Face. Na testa. Na boca. Na nuca. Nas mãos. Nos ombros. No seio.

Queria um beijo que tivesse blue.

Sorriu. A água já estava no ponto.