quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Para não acordar o tempo

Quando ele chegou, ela já estava dormindo. Sempre estava dormindo. Por mais que muitas vezes fosse fingimento.

Almoçava, olhava para a plantação e armava uma rede cortando a sala. Ele atravessava o corredor correndo. Soltava os livros em cima da cadeira e pulava estremecendo os punhos. Cheio de suor, com o uniforme sujo de areia e o cheiro da merenda de maracujá misturado com sol.

A cena se repetiu durante anos. Ela nem lembrava mais, até que ele chegou. Se abraçaram de saudade. Os dois na rede, se olhando apertados, não dava para balançar alto como antes.

- O pessoal da rua não brinca mais de cai no poço – ele disse. E agora? Como vou fazer pra te beijar sem que ninguém perceba?

- Não sei. Vamos dançar? Lembra que você me suspendia nos braços para dançar? Meus olhos não alcançavam os teus.

- Não posso mais com você em meus braços.

- Fale baixo. Os outros vão acordar.

- Onde você esteve esses anos todos? O que você fez? Eu quis morrer quando minha mãe falou que sua mãe tinha falado...

- É, eu quase casei com outro.

- E o que ele te fez? Ele te fez mulher?

- Xiiiiiiii, vá selar os cavalos. Quero ir até o Rio.

- Você perdeu a prática. Aposto que nem de bicicleta se equilibra mais.

- Eu nunca tive medo de nada com você. Esqueceu?

Correram pelos campos. Descansaram na sombra das carnaúbas. Tomaram banho matando a sede na correnteza do Rio. Comeram frutas frescas do pé.

- Eu quero escrever. Vamos voltar?

- Escrever? Pra quem?

- Saí daqui por um fio depois da agonia daquele velório. Agora volto e é outra cidade. Quero descobrir se faz sentido.

- Fique aqui comigo. Você não vai descobrir isso escrevendo. Vamos esperar o sol cair?

Falava isso enquanto tocava os cachos claros dos cabelos dela com a ponta dos dedos indicador e polegar.

- Vem daqui essa agonia pela a queda do sol - ela respondeu sorrindo, olhando- o por cima da testa. A cabeça repousando os sonhos nos ombros dele.

Voltaram. Pois já tinha se passado algumas horas e eles ainda precisariam de muito tempo para recuperar o tempo perdido.

(...)

- Não sujem a casa. Vocês precisam tomar um banho. Duas crianças. Parece que nunca vão crescer – gritou a voz cansada, diferente do agudo ativo que ela tinha em sua memória.

- Ela vai primeiro. Vou descansar na TV - gritou.

(...)

- Prima, você lembra que eu ficava te esperando na sala na tentativa de que você escorregasse?

- Risos. Claro que lembro, seu bobo. Teve uma vez que consegui te derrubar. Não me enxuguei de propósito, para que você caísse no piso de cimento que a moça tinha acabado de esfregar com cera...

Lembrou que sempre ao sair do banho vestia a calcinha por baixo da toalha, conhecia a intenção dele em sempre tentar derrubá-la.

- E o hoje? Se eu tentar puxar sua toalha?

- Eu deixo cair - sussurou cinicamente sem se perceber.

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