quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Por eles vale sofrer

Já faz um tempo, eu evito os velhos amigos. Não que os novos sejam melhores. Não são. Evito os velhos amigos pela necessidade que tenho sentido de evitar a lembrança do que já fui. Do que já foi.

Os velhos amigos nos devolvem – os velhos tempos. As lembranças infantes, os desejos revolucionários, os sonhos não realizados. Os velhos amigos sempre perguntam: E aí? Casou com aquele mané? Fez aquela viagem? Conseguiu aquele emprego? Superou aquele problema?

Conhecem nossa vida passada. Conhecem o que passou.

Os velhos amigos sempre nos fazem perguntas constrangedoras que ninguém tem coragem de fazer, não sei explicar muito bem, mas se você tem amizades assim, vai entender que por mais dolorosa que seja a pergunta, será direta e sincera a resposta. Não há chateações. Nem arrodeios. Sempre as verdades que mais tememos ouvir ou lembrar correm como piadas, sem a menor dor e com a maior graça. Até que chega o momento em que contam e recontam-se aquelas velhas histórias, as mesmas histórias, daquele velho porre, da velha casa de praia às beiras do Atlântico, daquele feriado, naquele final de semana, em que você encheu a cara, caiu na areia, beijou o primo do seu melhor amigo e se declarou carente. Aquele velha lanchonete trailer, aquele velho uno branco.

Viram que distante? Uma década.

A lanchonete virou uma praça. O carro saiu de linha. Nada que eles querem notícias faz mais parte da vida. Se você resolve contar como está o presente, eles tacam: ah, mas isso você sempre quis.

Esta semana, recebo uma convocação via DM: “Janta-se terça-feira, 20h, no La Goccia Blu, sem desculpas, sem falta”, depois, confirmações pelo telefone. Quase que a mensagem não cabe em 140 caracteres, quase que o jantar se torna o evento do ano. E aliás, não me lembro de ter tido um jantar melhor em 2010, aliás, não houve nada de tão melhor em 2010.

Amigos. De rua. De adolescência. Amigos que acompanharam o churrascão do vestibular, o primeiro porre, a primeira decepção, o primeiro amor. Amigos que chamam a mãe de Tia, o pai de Tio. Que deitam com os pés no sofá, que abrem a geladeira e tomam a última lata de coca-cola. Amigos que são amigos dos nossos irmãos. Amigos que a faculdade substitui por outros amigos, que o trabalho substitui pelos colegas. Amigos que o tempo não tira a intimidade. Amigos que dizem: mude o assunto, não aguento quando você fala nisso! Amigos que lembram: ah, e naquele sábado que você me levou aquele livro e até hoje não devolveu. "Vixiiii, nem sei onde tá". Amigos que conhecem o verso preferido da música favorita. Amigos que você não precisa se proteger de ser você.

Amigos que em menos de quatro horas lhe devolvem; a raça, a cor, a vontade de viver, lhe lembram o quanto sonhar vale a pena, o quanto acreditar reluz. Amigos que jogam pra fora todo o desespero e ansiedade. Amigos que dizem no olhar: o sofrimento não merece você.

Amigos que se lhe decepcionam nunca é por mal. Não precisa desculpas. Valem a ressaca de uma quarta-feira. Fazem amanhecer o sol.


Amigos.


São por eles que a gente se apaixona.

4 comentários:

Giulia disse...

lindo!! me fez sintir saudades :)

Tici disse...

Lindo, Lari...:*

Robertha Falcão disse...

A M I G A, você me fez recordar bons momentos adormecidos. Que a amizade prevaleça em detrimento do tempo. Te amo.

Anônimo disse...

Sim, eu pensei que não ia receber nem um "te amo" renovado hoje, dona Robertha. Loveutoo - voce sabe, sente.