Ainda posso sentir o cheiro da comida da minha Avó flutuando como sonhos pela casa. Ainda posso ouvir a voz da minha Mãe no auge dos seus vinte e pouquinhos anos cantando músicas de liberdade e nostalgia. Uma saudade de olhar que eu tive que conhecer o amor para entender. A coleção de bonecas, a bicicleta cor-de-rosa, o Topo Gigio na TV, a Bia Bedran cantando cantigas de roda a tarde inteira enquanto eu cabia direitinho no colo do meu Avô e dançava, dançava, dançava como se o piso de cimento verde fosse um linóleo com impulso de trampolim. O leite com achocolatado, o pão com bife.
Eu tive tudo que o amor pode ter. Eu tive os passeios no zoológico, eu tive as lições de dignidade nos bancos de praça, eu tive a casa na árvore desenhada no giz de cera, eu tive os sonhos das princesas nas coleções literárias. Eu tive as melhores festas de aniversário com tema de coelhinho, eu tive todos os vinis da Xuxa, da Mara Maravilha, do Trem da Alegria, tive os amigos de rua, tive a liderança dos grupinhos no Colégio.
Eu tive sorte? Não sei. Prefiro dizer que tive amor. Amores. Admirações oriundas do privilégio de ter sido a primeira – filha, sobrinha, neta, dos dois lados, dos dois métodos, dos dois jeitos.
O que a vida me roubou em dor, sempre me devolveu em alegrias. Sempre me compensou a perda de um amor, com outro melhor. Acho que ela, a vida, sempre se preocupou em me apresentar soluções de sucos Gummy para preencher qualquer vazio.
Mas não era isso que eu queria lembrar. Não eram das perdas, nem dos sofrimentos que atormentaram minha infância. Eu quero lembrar os limites impostos, as palmadinhas merecidas e os castigos pagos que, eu sei, doíam mais na minha mãe do que em mim.
A consciência da realidade, os dois pés firmes presos ao chão. A viagem à Disney que ela nunca pode me dá e que hoje, graças a outras prioridades que ela me deu, eu posso ter. A liberdade, a independência. Trocar o almoço pela sobremesa.
A confiança.
A confiança dos nossos pais que a gente conquista na infância. O soltar de mãos. O correr pro abraço. O deitar no colo. A confiança do amor maior que o ciúme do irmão mais novo.
Só por isso, eu tomo a decisão de nunca querer crescer.
De sempre perder a hora, de falar alto, de gargalhar, de brincar na areia, de não levar a vida a sério, nem dar as perdas da vida as devidas proporções que elas querem merecer.
De não lavar as mãos para almoçar, só para ouvir: levante! Vá lavar as mãos.
Eu vivo. Talvez errado.
Dias extremos. Dias Intensos.
Dias de criança.
2 comentários:
Simplesmente perfeito amiga! =) Orgulho grandeeee
Queria eu poder ter esse privilégio que vc e pouquíssimas tem! Texto esplêndido. Seu talento é de cair o queixo!
Parabéns Laris!
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