quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Escreve-me

Lá pelo final da década de 90, eu tive um professor de português/literatura/redação chamado Walter Rebouças. Já contei outras histórias dele (só buscar nos arquivos) e ele sempre está muito presente porque foi um dos causadores-mor do meu despertar literário. Lembro claramente e sempre gosto de lembrar, do quanto os olhos azuis de Walter brilhavam quando ele falava em Clarice Lispector e Cecília Meireles. Lembro do mesmo olhar, espantado, quando eu o disse numa tarde nos corredores do Diocesano Santa Luzia que estava lendo Caio Fernando e ele sorrindo falou: amanhã vou lhe apresentar Ana Cristina César. E Walter sempre tinha um autor novo, um livro novo, um texto novo, uma classe gramatical nova e uma chateação nova comigo porque, bem, bem eu nunca soube muito bem o lugar das vírgulas, dos pontos e dos pontos-vírgula. Literalmente falando, claro.

E eu preciso confessar uma coisa (até desnecessária): nunca morri de amores pelos os poetas. A mim, sempre encantou mais a leveza dos cronistas. Porque um cronista você não ama impunemente, só que isso é uma história que eu vou deixar para depois.

Comecei a escrever para contar o dia em que Walter entrou na sala portando um poema de Florbela Espanca impresso em folhas de papel oficio, para analisarmos a estética, a métrica e a dialética – que eu já segui rimando uma coisa que nada com a outra tem a ver. Pois bem. O poema de Florbela que eu fui apresentada é coincidentemente o poema dela que eu acho mais bonito:


Escreve-me! Ainda que seja só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta
Como um perfume casto d’açucenas!

Escreve-me! Há tanto, há tanto tempo
Que te não vejo, amor! Meu coração
Morreu já, e no mundo aos pobres mortos
Ninguém nega uma frase d’oração!

“Amo-te!” Cinco letras pequeninas,
Folhas leves e tenras de boninas,
Um poema d’amor e felicidade!

Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então… brandas… serenas…
Cinco pétalas roxas de saudade…


Os anos se passaram. Muitos. Mais de dez. E eu tive um amigo apaixonado pela obra de Florbela. Nós, eu e meu amigo, nos escrevíamos diariamente e ele sempre terminava suas notícias despedindo-se:


Escreve-me! Ainda que seja só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta
Como um perfume casto d’açucenas!


Nos apaixonamos. A amizade acabou.

Hoje, saí do trabalho pensando em tantas coisas que só lembrei de ligar o som quando já estava lá pelo quinto semáforo.

Nouvelle Vague – Faixa 8 – In a manner of speaking

Quando chegou ao refrão, aumentei um nível do volume. Dois. Três.


“Oh give me the words

Give me the words

That tell me nothing

Ohohohoh give me the words

Give me the words

That tell me everything”


O silêncio das palavras. Lavra.

Dê-me as palavras.

Escreve-me!

3 comentários:

Marcelo disse...

Conte a verdade: a amizade acabou pq vc não quis desbravar o mundo comigo.

Ainda estou em BH. Nenhuma mulher com a beleza da sua nuca. Nenhuma mulher com o sabor das suas palavras.

Esse RSS é legal. Sempre acompanho suas atualizações.
Sds.

Marcelo disse...

OPS!

Escreve-me! Ainda que seja só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome |LARISSA| e casta
Como um perfume casto d’açucenas!

Laris. disse...

"Ah Marcelo, eu prefiro girassol..."
"Girassol não cheira"
"Não precisa"
"Rima: Como o perfume casto dos girassóis"