segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Meu amigo imaginário

Eu tenho um amigo imaginário desde os seis anos de idade. Ele se chama Rui. Lembro que quando criança mamãe me levou aos psicólogos e insistiu muito com a professora que tinha que haver algum garoto chamado Rui na escola, pelo qual eu alimentasse uma paixão platônica. Era a única justificativa que ela achava para o fato de eu passar o dia inteiro conversando com o boy dentro de casa.

Depois passou. Deixei de falar sozinha e de ficar chateada porque mamãe nunca queria pagar o ingresso dele no parque. Na minha puberdade, ele reapareceu. Brigávamos muito. Ele sempre ficava chateado porque eu não queria mais brincar e ameaçava que nunca mais voltaria caso eu beijasse a boca de qualquer garoto.

A última lembrança que eu tinha de Rui era em Tibau, nós dois caminhando na praia ao cair de uma tarde de verão, eu deveria ter uns 16 anos e ele uns 18. Ah, ele era mais velho que eu dois anos. Fazia aniversário em 5 de fevereiro - não esqueço porque é véspera do aniversário da minha mãe, também porque uma das últimas perguntas que o fiz foi o que ele queria que eu lesse no dia que ele completasse 18 anos - um aniversário importante para os rapazes.

Durante esse tempo sempre cultivei mais amigos homens. Não é escolha pessoal, acontece. E vou dizer, aprendi, em longas relações de amizades, a confiar mais neles.

Na ausência de Rui, fui me ocupando com pessoas que eu pudesse sentir. Com amigos que pudesse me tocar, me abraçar, sair pra balada e curar a solidão das tardes de domingo. Me ocupei de amor também.

O tempo passou e eu vejo que cada dia que passa eu tenho menos daquela menina que sonhava que as amizades imaginárias pudessem ser reais. Que pra falar a verdade, eu nem sou mais menina. E pra ser mais verdadeira ainda, eu não acredito mais nas amizades, nem na eternidade delas. Não como antes. Não como a de Rui que se importava mais em fazer feliz. Ele era como eu. Não havia solidão. Não havia preguiça de ouvir, nem de sentar na calçada em tardes preguiçosas para chupar picolé. Eu podia contar! Nos podíamos contar!

Tantas pessoas podem contar comigo e, tantas vezes eu me vejo sem ter com quem contar.

Ontem, depois de quase onze anos, Rui apareceu. Era domingo. Eu ouvia Elvis e folheava um livro de Caio Fernando sentada ao pé da estante tomando um sorvete de morango. Lia pra mim em voz alta:

Discretamente, enviei sinais de socorro aos amigos. Ninguém ajudou. Me virei sozinho. Isso me endureceu um pouco mais. Não foi só você, não. Foram também pessoas até mais íntimas, (…) me virei sozinho com enormes dificuldades. Não me lamuriei. Mas preciso que as pessoas saibam que isso doeu — exatamente porque algumas destas pessoas (…) importam para mim.

“Estou aqui.”

Continuei a ler três páginas depois:

Não escreva nada, não nos procuramos mais: um dia nos cruzamos por acaso, de repente, e então vemos o que aconteceu a nossos rancores e reagimos de acordo com isso. Mas se você quiser me contar das suas funduras, e não apenas defender-se — e os amigos são, sim, para trocar abismos — então me escreva.

“Estou aqui”

“Eu já ouvi. Onde você esteve esse tempo todo?”

“Por aí... Você não estava precisando de mim”

“Queria que você pudesse me abraçar”

“Também queria”

Aumentei o som. Continuei lendo em voz alta para nós dois.

O sorvete derreteu.

Ele se foi.

4 comentários:

mario ivo cavalcanti disse...

lindas, você e a crônica.

Neísa disse...

Me empreste seu Rui...

robertha falcão disse...

Menina, que devaneio, hein? e eu adorei...

Ana Cândida disse...

Porra, Larissa! (desculpe o palavrão)! Passei a minha vida em crise, preocupada comigo mesma, me achando louca, pirada... e vem vc e me mostra que sou completamente normal! (ou não!)
Vc possui o seu Rui. Eu possuo o meu João. Ele me acompanha desde os 8 anos de idade.=A primeira vez, foi durante o recreio no colégio, ele me perguntou se poderia se sentar ao meu lado. Nunca tive muitos amiguinhos, por isso, não podia recusar.
João sempre foi mais baixo do que eu e implicava com isso. Em compensação, corria feito raio... sempre foi mais magrinho do que eu e dessa vez, quem implicava era eu. Hoje, ele opina nas minhas roupas, nos meus namorados, me esculacha quando faço bobagens e puxa minhas orelhas quando brigo com mamãe. João me diz que é fiel a mim. Cheguei a duvidar muitas vezes pq ele sempre some.

Acho que deveríamos apresentar Rui e João.

Amiga... Me sentir normal, depois desse texto espetacular, foi quase um orgasmo!

Você é DEMAIS! (já te disse isso?)

Bjoooooo!