“Ninguém tem a receita da felicidade. Na hora infeliz, de nada valerão os mais elaborados cozidos do contentamento. Se para algumas mulheres a tristeza é até motor do apetite, não convém empanturrar-se nos dias de angústia”, assim começa o primeiro parágrafo do ‘livro de receita para mulheres tristes’, Héctor Abad. Comprei outro domingo desses, na Livraria Cultura, tomada de revolta com o Abad que exclui qualquer possibilidade de tristeza nos homens a partir do título.
Li “num sentada”, como se diz...e é um livro leve, mas cheio de ingredientes que deveriam ser receitados por toda nutricionista/endocrinologista/psicólogo que se preze para matar a fome sem engordar as ideias.
Aquela fome de um novo amor ou aquela fome, a pior de todas, que nos come a alma, as vísceras, as forças e até o coração quando se foi um amor. Excelente as receitas de Abad sobre amor feliz, solidão feliz, medo da velhice e angústia sem nome. Os copos d’água e a quantidade exata de vodka necessária para aplacar uma dor. Ou uma saudade.
As colheradas de nutella para adoçar os momentos amargos e as pitadinhas de sal, necessárias para dar gosto aos momentos estacionados da vida.
A vontade de preparar um banquete para o presente, como se estivesse cozinhando os ovos lentamente ou mexendo-os para colocar mais energia e agilidade aos acontecimentos almejados, me veio como a necessidade de temperar um amor - fervendo, sangrando, adoçando, e claro, comendo e lambendo os beiços com a mesma sensação de contentamento e prazer de degustar uma carne.
Talvez fossemos ótimos escritores de autoajuda ou filosofia, principalmente se colocássemos em prática metade das lições que aconselhamos e até sabemos. Mas viver no mundo do impossível, do improvável, da espera do milagre, da felicidade das praças no fim da tarde alimentando pombos e atravessando oceanos para amar madrugada adentro não nos faz cozinheiros dos nossos desejos. Não mata a nossa própria fome.
Ao contrário de Abad, não tenho trato com ervas, verduras, frutos, raízes e etc. Talvez só tenha apenas receitas de muito amor e carinho para temperar meus estrogonofes e algumas relações, que vezenquanto até desoneram, mas quase nunca perdem o ponto.