quarta-feira, 23 de maio de 2012

Quando ele vem


Quando ele vem, a rede estala os armadores e torce os punhos aumentando a intensidade do impulso no balanço que pode alcançar o céu.

Quando ele vem, o travesseiro é dividido em ombros, e os sonhos sonhados de olhos abertos na penumbra de curvas percorridas pelo tilintar dos dedos.

Quando ele vem, a cama fica cheia de troncos e pernas e braços e cheiros de pele e pelos caídos, dobrando a densidade populacional do meu sofá-cama até alguém desfazer a cama em sofá e tirar os lençóis.

Quando ele vem, as juras são sonolentamente sussurradas lábio a lábio refletindo o arrepio da pele, vendo estrelas e ameaçando uma fuga apressada sob os lençóis, sobre o box, sobre o chão.

Quando ele vem, o entregador não demora com a pizza, o telefone não insiste no toque, a música começa e não termina num repeat insistente como no repeat mora o gesto de encontro dos nossos calcanhares.

Quando ele vem, o garçom reclama minha ausência no bar, levo falta com os amigos na esquina e desmarco qualquer outra coisa que não seja vivida com a urgência de nos viver.

Quando ele vem, o domingo é um saco, o fim da tarde chega depressa, logo o sol se põe e o futebol termina, e as famílias habitam as praças de adultos dentro da realidade de crianças sem super heróis.

Quando ele vem, o dia seguinte é modorrento e há violões por todos os cantos e o telefone toca o tempo todo e os emails chegam o tempo todo e os carros buzinam o tempo todo e em cada gota de saudade eu vejo sabão-em-bolha competindo com a poeira que voa no ar.

Quando ele vem, a semana é cheia de becos sem saída e o sol vai reacendendo girassóis nos canteiros e os relógios, como os apaixonados flanam sem rumos nas esquinas, começam a girar por obrigação.

Quando ele vem, nada mais importa. Nada mais é longe. Nada mais demora. Nada mais é feio. Nada mais é triste. Nada mais é perdido. Nada mais é desamor. O desalinho é ninho.

Até,
quando ele vem.


8 de julho de 2009.

Um comentário:

Paulo Sérgio disse...

Você prega bem a ordem de que escrever não é tuitar. Parabéns, Moça.