segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

O Botafogo me escolheu


Tenho um trato com meu noivo de não conversarmos sobre futebol, ou melhor, de não conversarmos sobre Flamengo e Botafogo. Ele quase nunca se agüenta, é quase satisfatório fazer comentários. A verdade é que ele só faz pra me encher, nem de futebol gosta e geralmente quem leva o sermão por ir a uma partida com os amigos sou eu.

Dia desses no Posto de Gasolina entrei à loja de conveniência enquanto ele abastecia o carro. Quando voltei, ele estava conversando com um ex- professor de faculdade; que comenta irônico “vixe, você ainda não convenceu a mudar de time?” (eu estava com uma camisa do Botafogo) e ele responde risonho “ela é masoquista, professor”.

Piada sem graça e motivo suficiente para passar o resto da tarde sem falar com ele direito. Quando a raiva passou, pensei que jamais o Botafogo o escolheria como torcedor. E automaticamente lembrei o trecho de uma crônica de Paulo Mendes Campos que todo botafoguense de cara se identifica e diz:

“A mim e a ele (Botafogo) soem acontecer sumidouros de depressão, dos quais irrompemos eventualmente para a euforia de uma tarde luminosa.

Sou preto e branco também, quero dizer, me destroço para pinçar nas pontas do mesmo compasso os dualismos do mundo, não aceito o maniqueísmo do bem e do mal, antes me obstino em admitir que no branco exista o preto e no preto, o branco.

(...)


Reagimos ambos quando menos se espera; forra-nos, sem duvida, um esforço neurótico. Se a vida fosse lógica, o Botafogo deixaria de levar o futebol a sério, fechando suas portas; eu, se a vida fosse lógica, deixaria de levar o mundo a sério, fechando meus olhos.

(...)

O Botafogo, às vezes, se maltrata, como eu; o Botafogo é meio boêmio, como eu; o Botafogo sem Garrincha seria menos Botafogo, como eu; o Botafogo tem um processo, como eu; o Botafogo é mais surpreendente do que conseqüente, como eu; ultimamente, o Botafogo anda cheio de cobras e lagartos, como eu.

O Botafogo é mais abstrato do que concreto; tem folhas secas; alterna o fervor com a indolência; às vezes, estranhamente, saí de uma derrota feia, mas orgulhoso e mais botafogo do que se houvesse vencido; tudo isso, eu também.

Enfim, senhoras e senhores, o Botafogo é um tanto tantã (que nem eu). E a insígnia de meu coração é também (literatura) uma estrela solitária”.


Todo botafoguense tem a sensibilidade à flor da pele. Assim como eu, Vinicius, Mendes Campos, Augusto Schmidt, Olavo Bilac, Fernando Sabino, Clarice Lispector, Nelson Rodrigues, Glauber Rocha, Otto Lara Resende, Luis Fernando Veríssimo, Antonio Cândido de Mello e Souza, João Saldanha, Armando Nogueira, Juscelino Kubitschek.

Agora, vem cá, me diga sinceramente uma coisa: sabe lá você o quê é torcer pelo Botafogo? Sabe lá você o quê é ser feliz na prorrogação?

Nenhum comentário: