terça-feira, 26 de outubro de 2010

Coração Selvagem

Se você já leu qualquer linha daqui, já conversou comigo ao menos cinco minutos ou já me viu passar no calçadão, sabe que um dos meus principais vícios é a música. Sou movida ao som. Das cores, das vozes, das respirações, dos ritmos, dos versos, dos diversos silêncios.

É, eu sou daquelas moças latinoamericanas, sem parentes importantes, sem muito dinheiro no banco e claro, morando no interior, que cantam alto no carro, que atravessam a faixa de pedestre com o Ipod no ouvido, que começam a cantar gritando quando se empolgam na academia e que quando dá dos pés a primeira coisa que faz é ligar o rádio do quarto ou do computador ou da TV.

Minha formação musical, eclética, vem dos primórdios, herança paterna, materna, derna de quando tinha uma vitrola CCE daquelas de madeira na casa da minha avó, depois uma Gradiente, hoje uma Philips. Eu estou sempre assim, entre um samba e outro blues buscando novas trilhas sonoras para viver. Mas, um dia, há muitos anos atrás, minha mãe me pegou no colégio para acompanhá-la ao um show. E essa história, eu vou contar.

Lembro que quando entrei no Cine Cid (é, acontecia shows nos cinemas mossoroenses na década de... 90, eu acho), hoje Teatro Lauro Monte Filho, fiquei logo impressionada com a foto do artista que ia se apresentar - o nome, quase que eu não aprendo a dizer: Belchior. Aquele cara do Bigode igual ao de Vovô, dizia pedindo que mamãe colocasse o vinil dele na vitrola em cima da estante.

Fiquei quietinha o show inteiro, deveria estar no auge dos meus dez anos, mas eu nunca esqueço o jeito que ele subiu ao palco, deu boa noite, pegou o violão, ajustou o microfone e disse: agora eu quero tudo, tudo outra vez. Esta frase, especificamente, é a única que eu me lembro desse show. Depois, claro, fui aperfeiçoando o meu conhecimento da obra e coisa e tals.

Poderia citar dezenas de frases que me acompanham desde as madrugadas sofríveis trancadas na solidão do meu quarto, até a maturidade real de hoje, nas mesmas madrugadas sofríveis, na solidão de outros quartos.

Minha música preferida? Coração Selvagem. Desconfio até, que ele escreveu pra mim, depois daquele show. Se ele cantou? Se já existia? Não lembro. Prefiro pensar que foi pra mim.

Já tomei porres ouvindo Belchior, já cantei no chuveiro ouvindo Belchior, já escrevi declarações de amor com trechos de Belchior, já chorei um grande amor imitando Belchior.

Enfim, já deixei algumas camisas sujas de batom depois da sessão no cinema das cinco para realizar os versos de Belchior. Hoje, 26 de outubro, aniversário dele, um dos meus maiores ídolos musicais, li em algum lugar que ele anda esquecido. Por quem?

Não quero lhe falar meu grande amor, que o meu coração selvagem, continua...

A la Belchior: com pressa de viver;

De viver as coisas novas, que também são boas.


Um comentário:

Anônimo disse...

Essa é minha amiga Laris, que tanto me orgulho. Escreveu de uma forma tão leve, tão linda. É, coração selvagem, viva com pressa se quiser, mas viva INTENSAMENTE, como sempre.
Beijo,
Lidi.