quarta-feira, 21 de abril de 2010

Sangue queima

A cozinha está fedendo a peixe. Não gosto. Cheiro de peixe na cozinha me lembra aquela podridão medonha que tem os barracos de praia no verão. Já falei que não gosto da praia no verão? Já. Já devo ter dito que a praia lotada de pessoas falando ao mesmo tempo me dá vontade de fazenda e de montanha.

A praia sempre é um refúgio da solidão. Os búzios me fazem companhia, de repente me flagro conversando com a areia e enchendo a minha perna daquela areinha brilhante que parece purpurina e que também lembra aquela sensação quando a gente fecha os olhos e aperta com bastante força e abre vendo estrelinhas na escuridão do dia. Gosto de fechar os olhos, é definitivamente abri-los pra dentro e, eu nunca enxergo preto quando estou de olhos fechados.

E ainda tem o sol. O sol é uma fonte de energia – e às vezes o que eu escrevo parece começo de redação de concurso. Mas, o Sol é uma estrela que me enche de energia e renova minha vontade de viver. Culpa de Cartola, meu Pai Nosso de todas as manhãs. Desde quando eu tinha uns quinze anos, e ouvi Corra e Olha o Céu debutei a sensação que o dia só seria bom se escutasse essa música ao amanhecer. Bem que poderia ser Sua Estupidez, aí eu lembraria todas as manhãs que não devo dá ouvidos à maldade alheia.

Quis mantê-lo o máximo de tempo possível em mim. O cigarro, o uísque, o perfume, as palavras, e todo aquele exagero miserável de perguntas que ele fazia na tentativa de que eu o fizesse entender o que fazia aqui, o que fazíamos ali, o que faríamos juntos.

Eu não sei. Sempre acho melhor não saber. Nunca me interessou o porquê dessa bobagem da gente em perder tempo tentando entender as afinidades que acontecem. As vontades de que ele veja aquele filme, de que ela leia aquele livro. De que ela e ele virem nós e que as opiniões virem duelos que acabem em carinhos.

E eu mudo de vontade, de opinião e de necessidades o tempo todo. Ele, ele nunca muda. É sempre uma pauta de características medíocres. Sempre eu quem tenho que acender o pavio. O dia do barco, né? Barco, praia, peixe, areia, brilhinhos, sonhos e depois de muitas tentativas, explosões, ardências e todas aquelas coisas que a gente sente quando deseja, a gente consegue resistir. Resistir o amor, resistir a dor de atravessar a alma para compreender o desejo - do outro que nasce em nós.

E de repente a gente começa a enxergar o coração como um órgão muscular involuntário que dentro não é nosso, dependendo ou não de em quem esteja. As palavras não têm nada com isso. Não são só as palavras.

É o fogo que arde e o sangue que queima.

domingo, 18 de abril de 2010

Para um amor em Buenos Aires

Nem sei se deveria te encaminhar esta carta, provavelmente não. Um e-mail cairia melhor com todas aquelas didáticas tecnológicas de correções, grifes vermelhos ou verdes, fontes, emoticons, negrito, itálico e sublinhado que você tanto gosta de usar dando destaque ao que eu disse e ao que você deixou de dizer.

Em papel cor de rosa, claro. Para remeter à memória todos aqueles dias alimentando pombos e passeando entre o rock argentino e toda aquela influência latina que doentia me fez ensaiar os mais longos tangos Red&Black e gritá-los lembrando você.

Para sintetizar, eu estava de saco cheio dos seus ‘quiquiquis’ e você não estava sendo a pessoa consciente que eu sempre achei que fosse, sabe disso e sabe exatamente como e o que aconteceu.

Nunca crio expectativas, não devo. Nunca achei que fosse amor. Não dou esperando qualquer coisa em troca. Qualquer mínima intenção. Não faço isso com os comuns, não faria com você.

Fui eu com você, pra você, todas às vezes. Limpa. Sincera até quando não deveria ser. Eu tenho é vergonha de ter achado que... de ter pensado que... você me conhecia.

Acho que realmente nunca terei a maturidade e a segurança suficiente de me convencer a não viver. Nem nunca me calarei diante do que acredito. Muito menos fugirei do que eu sinto. Não lutarei pelo o que eu quero. Mas eu respeito você. Até porque o que eu quero guardar de tudo isso “dessa história incompleta que existe entre nós dois” são as palavras positivas. Quero guardar a sinceridade e o caráter que você sempre pintou para mim.

Só não consigo até agora entender a mentira. Não admito as suas mentiras conhecendo o seu tom voz quando mente. E outra: eu merecia a verdade, doeria menos e não sofreria decepção.

Eu sei o meu lugar e sei principalmente quando não há lugar para algo.

Era sinceramente, a última coisa que eu esperava de você! Tudo. Tudo menos não ser fiel às palavras.

O único motivo que me faz escrever é a lembrança do dia que você disse “você nunca conseguirá amar de novo” e essa foi a melhor de todas as suas mentiras.

Você não merece uma resposta. Nem eu. Então, não gaste os seus papéis me ensaiando leads desaforados.

Perca seu tempo sendo feliz nos sonhos que me amou.

Sem reticências alguma. Estas palavras são meu ponto final.


Abril, 1999.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Beija, vai

Eu devia ter uns treze para quatorze anos. Não lembro detalhes, mas eu estava apaixonada por ele. Se não tivesse, não teria beijado. Sou muito certinha nesses quesitos. Nunca saí banalizando beijos nem os oferecendo. No dia que saí decidida a beijar qualquer um, beijei uns que não mereceram os meus beijos.

Mas, aprendi a me aproveitar de igual para igual. Aprendi a deixar as marquinhas do meu batom Pink, feito beijinhos no espelho do quarto, no Box do banheiro e sair no tilintar dos pés para não acordar o amor. Aprendi a guardar tudo pra ele.

Beijar é bom porque o envolver das bocas alimenta todos os nossos desejos e nos faz flutuar no outro. Beijar é bom porque é a introdução do sexo. É o primeiro passo da preliminar. É o refúgio. É a entrega. É o roubo. Beijar é bom porque é a confirmação da intimidade. Beijar é bom porque substitui o olhar e as palavras e ao mesmo tempo é a conclusão de tudo. Beijar é bom porque consome, porque consolida.

Foram os beijos que me ensinaram a não guardar expectativas. Foram os beijos que me ensinaram o gosto doce e depois amargaram o frescor do paladar.

São os beijos que iluminam. São os beijos os responsáveis pelas brigas, o causador das pazes.

Mas, de todos os beijos, o mais inesquecível é aquele que ameaçou ser e não foi.

Aquele que ameaça ir além da boca e não vai.

O que ameaça ser amor e não é.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Êxodo. Êxtase.

Domingo me flagrei refletindo entre o êxodo e o êxtase. Logo domingo. O lógico é que quando a gente ouve “êxodo” – eu pelo menos quando ouço – lembro automaticamente das cansativas aulas de geografia sobre Êxodo Rural ou pior, das de religião sobre o livro do antigo testamento escrito por Moisés.

E quando fala-se em êxtase nada mais próprio do que a música de Mauricio Barros imortalizada na voz de Frejat, ainda na época do Barão Vermelho que quando vivia seu auge Top 10, Mamãe e Papai namoravam na calçada e que diz: ela é puro êxtase, ê-x-t-a-s-e. E não vou falar do jeito êxtase de sentir.

Pensei no êxodo e no êxtase de uma forma mais intensa, mais bonita, talvez. Pensei no êxodo como uma saída, claro, mas uma saída de mim, uma saída das minhas vontades, dos meus desejos, das minhas necessidades. E, pensei no êxtase como uma necessidade de contemplação, como a capacidade de se encantar com o outro lado. De se encontrar lá, quiçá.

Talvez Freud explique, talvez não. Talvez a psicologia entenda o que não é uma teoria. Sei que qualquer dia de tantas idas e vindas eu não vou voltar. Aquele caminho agora tem outro tempo. Os sonhos? Outro pulsar. E a vontade de ficar me dá vontade de nem ir.

Eu nunca soube partir. Pra mim, o mais fácil sempre foi voltar, sempre foi ficar. E são exatamente nessas horas que eu acredito no tempo como o pulso da vida.

Vamos lá? Viajar?

Aproveitar as férias. Aproveitar o outono. Aproveitar o presente. Aproveitar-nos.
Êxodo e êxtase – sair de mim, pra viver você.

A gente se desaprende. A gente desaprende o outro.