terça-feira, 22 de junho de 2010

"O Contrato do Casamento"

O email caiu na caixa de entrada com a mesma naturalidade dos mais de cem releases, correntes, mensagens, notícias e problemas diários que caem todos os dias. Confesso que o que me chamou atenção não foi o titulo do email: O Contrato do Casamento, mas sim, o remetente que me enviou.

Pulei do cabeçalho “Casamento é o compromisso de aprender a resolver as brigas e as rusgas do dia-a-dia de forma construtiva, o que muitos casais não aprendem, e alguns nem tentam aprender" ao rodapé “Ponto de vista: Stephen Kanitz (Revista Veja, Edição 1873 . 29 de setembro de 2004”.

Fui ao Google me informar melhor sobre quem é Stephen Kanitz. Antes de ler qualquer linha, a fotinha que apareceu me ligou imediatamente o nome a quem é a pessoa. Acho que até hoje, ele publica artigos quinzenais na Veja, geralmente sobre economia. É um cara analítico e cheio de margens percentuais. Não gosto.

Abandonei o texto na caixa de entrada há mais de duas semanas. Hoje, digitei na busca do email “contrato”, procurava um email de trabalho com um contrato de trabalho e eis que entre as dezenas de resultados, “O contrato de Casamento” ressurge das cinzas. Ou melhor, dos arquivos.

Abri pra deletar. Passei os olhos, comecei a ler. A promessa de “vou sempre amar você” me chamou a atenção. Quem sabe, ali, no meio do texto, o economista não me apresentasse soluções estatísticas sobre o amor. Pois mal. “Banalizamos a frase mais importante do casamento. Hoje, promete-se amar o cônjuge até o dia em que alguém mais interessante apareça”, de certo que sim. A independência não nos faz repensar a convivência.

Depois, vem a frase mais sensata do texto:
Nunca temos na vida todas as informações necessárias para tomar as decisões corretas.

Mas daí, o remorso só dura até o próximo amor. Depois a mais devaneia:
"Eu sei que nós dois somos jovens e que vamos viver até os 80 anos de idade. Sei que fatalmente encontrarei centenas de mulheres mais bonitas e mais inteligentes que você ao longo de minha vida e que você encontrará dezenas de homens mais bonitos e mais inteligentes que eu. É justamente por isso que prometo amar você para sempre e abrir mão desde já dessas dezenas de oportunidades conjugais que surgirão em meu futuro. Não quero ficar morrendo de ciúme cada vez que você conversar com um homem sensual nem ficar preocupado com o futuro de nosso relacionamento. Nem você vai querer ficar preocupada cada vez que eu conversar com uma mulher provocante. Prometo amar você para sempre, para que possamos nos casar e viver em harmonia".

Assinar um contrato prometendo amor eterno no sentido de convivência pelo resto da vida, é abrir mão do próprio amor. Mas, eu posso estar errada, Stephen Kanitz deve ter hoje 36 anos de casado, dez anos a mais do que eu tenho vida.

Quando se casa por amor, não se deixa de amar o ex nem com a separação. O ex é eterno. Quando se tem filhos, mais eterno ainda. Aliás, nem com alguns filhos, nem com alguns pais, nem com alguns irmãos, a gente é obrigado a conviver bem. E isso não quer dizer que não ame. E isso não tem nada a ver com o amor. Amar por um instante é amar pra sempre. Deixar de amar é uma contradição. Agora, confundir o amor com a obrigação da conivência eterna é tentar assassiná-lo.

A quem interessar, possa:

Na semana passada comemorei trinta anos de casamento. Recebemos dezenas de congratulações de nossos amigos, alguns com o seguinte adendo assustador: "Coisa rara hoje em dia". De fato, 40% de meus amigos de infância já se separaram, e o filme ainda nem terminou. Pelo jeito, estamos nos esquecendo da essência do contrato de casamento, que é a promessa de amar o outro para sempre. Muitos casais no altar acreditam que estão prometendo amar um ao outro enquanto o casamento durar. Mas isso não é um contrato. Recentemente, vi um filme em que o mocinho terminava o namoro dizendo "vou sempre amar você", como se fosse um prêmio de consolação. Banalizamos a frase mais importante do casamento. Hoje, promete-se amar o cônjuge até o dia em que alguém mais interessante apareça. "Eu amarei você para sempre" deixou de ser uma promessa social e passou a ser simplesmente uma frase dita para enganar o outro. Contratos, inclusive os de casamento, são realizados justamente porque o futuro é incerto e imprevisível. Antigamente, os casamentos eram feitos aos 20 anos de idade, depois de uns três anos de namoro. A chance de você encontrar sua alma gêmea nesse curto período de pesquisa era de somente 10%, enquanto 90% das mulheres e homens de sua vida você iria conhecer provavelmente já depois de casado. Estatisticamente, o homem ou a mulher "ideal" para você aparecerá somente, de fato, depois do casamento, não antes. Isso significa que provavelmente seu "verdadeiro amor" estará no grupo que você ainda não conhece, e não no grupinho de cerca de noventa amigos da adolescência, do qual saiu seu par. E aí, o que fazer? Pedir divórcio, separar-se também dos filhos, só porque deu azar? O contrato de casamento foi feito para resolver justamente esse problema. Nunca temos na vida todas as informações necessárias para tomar as decisões corretas. As promessas e os contratos preenchem essa lacuna, preenchem essa incerteza, sem a qual ficaríamos todos paralisados à espera de mais informação. Quando você promete amar alguém para sempre, está prometendo o seguinte: "Eu sei que nós dois somos jovens e que vamos viver até os 80 anos de idade. Sei que fatalmente encontrarei centenas de mulheres mais bonitas e mais inteligentes que você ao longo de minha vida e que você encontrará dezenas de homens mais bonitos e mais inteligentes que eu. É justamente por isso que prometo amar você para sempre e abrir mão desde já dessas dezenas de oportunidades conjugais que surgirão em meu futuro. Não quero ficar morrendo de ciúme cada vez que você conversar com um homem sensual nem ficar preocupado com o futuro de nosso relacionamento. Nem você vai querer ficar preocupada cada vez que eu conversar com uma mulher provocante. Prometo amar você para sempre, para que possamos nos casar e viver em harmonia". Homens e mulheres que conheceram alguém "melhor" e acham agora que cometeram enorme erro quando se casaram com o atual cônjuge esqueceram a premissa básica e o espírito do contrato de casamento. O objetivo do casamento não é escolher o melhor par possível mundo afora, mas construir o melhor relacionamento possível com quem você prometeu amar para sempre. Um dia vocês terão filhos e ao colocá-los na cama dirão a mesma frase: que irão amá-los para sempre. Não conheço pais que pensam em trocar os filhos pelos filhos mais comportados do vizinho. Não conheço filho que aceite, de início, a separação dos pais e, quando estes se separam, não sonhe com a reconciliação da família. Nem conheço filho que queira trocar os pais por outros "melhores". Eles aprendem a conviver com os pais que têm. Casamento é o compromisso de aprender a resolver as brigas e as rusgas do dia-a-dia de forma construtiva, o que muitos casais não aprendem, e alguns nem tentam aprender. Obviamente, se sua esposa se transformou numa megera ou seu marido num monstro, ou se fizeram propaganda enganosa, a situação muda, e num próximo artigo falarei sobre esse assunto. Para aqueles que querem ter vantagem em tudo na vida, talvez a saída seja postergar o casamento até os 80 anos. Aí, você terá certeza de tudo.

Ah, e quanto ao remetente, antes que eu esqueça, deve estar completando uns vinte anos de casado. Com amor. Se de boa convivência? Não sei.

2 comentários:

Anônimo disse...

Lari, minha amada... Deixemos a questão filhos de lado. Concordo quando você diz que quando se ama, ex acaba sendo um "ser" eterno, é pra sempre.
Também estou me perguntando se ter boa convivência é sinônimo de amor, ou será de um outro tipo de amor que não aquele que envolve também a paixão?
Bom, acho que depois do seu texto, eu certamente não vou querer as juras eternas colocadas no "preto no branco".
Ah, sobre a frase mais sensata... É, meu bem, novamente concordamos!
Beijo e saudades!
Lidiane

Ana disse...

Oi Larissa!!!
Acabei de fazer um simulado onde seu texto foi usado numa prova de Português. Gostei tanto do modo como modela os parágrafos e pinta as palavras que vim saber mais de vc.
Muito bom mesmo seu texto. Parabéns!!!

Nota: O legal de um blog é que não importa o tempo (passaram-se 7 anos) podemos rever temas, fatos e opiniões a qualquer tempo.