domingo, 10 de abril de 2011

Casa 55

Caía uma forte chuva hoje quando eu passei de carro na rua em que morei durante a infância. As goteiras jorravam água com pressão de cachoeira. O vento dava nos telhados como se os tetos fossem desabar. Crianças corriam empurrando umas as outras enfileiradas na disputa do banho das águas milagrosas que choravam das nuvens. Adolescentes espalhavam as poças d’água formadas no chão; de bicicletas, com suas bolas, com seus sorrisos, com seus olhos molhados e a alma lavada pela a esperança da possibilidade de conquistar qualquer coisa.

Tive vontade de descer e correr com elas.

Lembrei que outro domingo desses era eu quem estava lá desfrutando dos caminhos de uma infância feliz.

Passei pela rua até chegar mais ou menos em frente a casa em que eu morei até os meus dez anos, aproximadamente.

Tive vontade de bater palmas e pedir pra entrar até o quintal e ver se ainda tinha aquele pé de limão e aquela lavanderia com um tonel enferrujado em cima do batente de cimento. Queria saber se os quartos ainda tinham o piso de cimento vermelho que eu adorava brincar de passar cera e se na sala o piso ainda era de cimento verde dando um tom total de esperança. Se ainda daria pra contar as telhas e ficar imaginando que existia vida morando nelas, e que, talvez, a família dos cupins também brigassem pela sintonia do único canal de TV na hora da novela.

Impossivel colocar a vida pra quarar na chuva. Então, preferi desistir da ideia de molhar minha imaginação. Receio. Receio de não está mais tudo igual e da imagem atual alterar toda a lembrança de cores e movimentos que eu carrego até hoje. De não existir mais o pé de limão no quintal e do piso de cimento ter sido trocado por uma cerâmica brilhosa e delicada.

Tem riscos que é mais maduro não viver. Não quero sair da infância. Prefiro que ela permaneça igual. Que as imagens sejam impermeáveis ao tempo da minha memória. É a minha saída para continuar achando que tudo é possível.

A chuva passa e a água limpa os rastros que deixa. A imaginação e os sonhos permanecem, infantes, iguais. Basta apenas se permitir correr na chuva feito criança.

Molhar o corpo, lavar a alma.

Cultivar os desejos, lavrar os sonhos.

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Depois que escrevi o texto, lembrei de uma música que também faz parte desta história. Lembrei do quanto aquela casa era musical, do quanto cantávamos na vitrola de madeira, no rádio a pilha, no violão azul. O movimento da rua, o motor do caminhão do meu Avô aquecendo, os pássaros cantando. Dos sons dos dias, da música com gosto de baunilha e manacá:

Casa de Palha - Beto Guedes

7 comentários:

André Miranda disse...

É daqueles textos que a gente lê e depois vai dormir e sonhar. Vou agora deitar na tentativa de sonhar com a minha infância. tks.

Priscila Fernandes disse...

Agora você me fez sentir saudades da casa 1059, a qual morei 13 anos da minha vida. É sempre bom em alguns momentos vivermos/lembrarmos as coisas boas da infância. Como sempre você arrasando nos Post. Parabéns.

Anônimo disse...

Pois eu me orgulho de ter participado da sua formação acadêmica! Sucesso, Lara.

Jefferson Garrido

Unknown disse...

Eu tava com vc e não percebi nada disso... sou insensível? Lindo o texto, como vc. Beijo.

robertha falcão disse...

Lembrei de quando eu corria pelas ruas, ainda sem asfaltos, e simplesmente ficava feliz com a "bica" mais potente.

Anônimo disse...

Muito lindo o texto, pois revela mais q uma infancia, revela muitas vidas...

Thiago Alexandre disse...

Lembrei da chuva que passamos com Ticianne, Yarli, Weini, Paulinho e Alexandre...