“Eu também estava com saudades”
Contou os dias até que ele voltasse. Marcaram de se encontrar no apartamento dele. “Amanhã, no local do crime. Mesmo horário da última vez.” Não se atrasou. Arrodeou o quarteirão duas vezes para ter certeza que ninguém ia vê-la chegar, esqueceu-se que havia sempre alguém fumando cigarros ou pendurando bandeiras nas janelas dos prédios em dias de futebol.
A volta ao inferno pessoal.
Chamou a campainha, chamou o elevador. Subiu. Elevadores (com espelhos) eleva dores (sem espelhos) - sobem mais lentos. Parece que não descem. Retocou o batom.
A porta estava entreaberta.
- Esse seu vizinho nerd só ouve The Notwist.
- Outro dia você disse que gostava.
- Gosto. Coincidentemente dessa ‘one step inside doesn't mean you'll understand…’
- The devil is lurking in the shadows... (respondeu saindo do banheiro segurando a toalha com a mão esquerda e sacudindo os cabelos com a outra.
Se beijaram aflitamente. Ela puxou a toalha e saiu jogando as coisas pelo caminho. Os sapatos ao pé da porta, a bolsa na mesa da sala, os brincos, o relógio e as roupas no chão. Transam ali mesmo, em cima do tapete da sala. Caindo pela quina da mesa e apoiando os corpos nas cadeiras. Ela pula em cima dele e fala o tempo todo das angústias, dúvidas e medos que sente quando não está ali. Ele responde despretensioso entre uns e outros “não para...” “ai como é bom” “gos-to-so, assim, vai, vai, ai ai ai...”
Gozaram.
Ela suspira e se joga no tapete, esticando a mão para pegar uma cerveja - já quente - que ele deixara sob a mesa. Dá um gole alisando o peito dele e sussurra no ouvido: Delícia.
“Você consegue ficar ainda mais linda suada e vermelha enquanto goza.”
“Quer ver de novo?”
Beijaram-se e recomeçaram. Excitaram-se novamente. Ele em cima agora. Prestes a enrijecer o véu. Pegando os cabelos dela por debaixo da nuca e beijando o seu corpo delicadamente como se escolhesse o perfume de um rosa em meio aos seus pelos. Sentam. Abraçam. Sorriem. Gozam outra vez. Aliviados.
“Volta amanhã?”
“Nos falamos” – ela responde erguendo o corpo e dirigindo-se ao banheiro e já volta de calcinha e sutiã abotoando os brincos e arrumando os cabelos. Checa o celular dentro da bolsa e abotoa o vestido enquanto ele traz o computador pra sala e senta com ele no colo nos três lugares do sofá.
Despede-se com um beijo na testa. Nada mais fraternal e sincero.
“E amanhã?”
“Manda um email, uma sms, uma dm, uma indireta na timeline...” (risos)
Abriu a porta. Chamou o elevador. Olhou para a fechadura do apartamento vizinho. Térreo. Retocou o batom.
Tinha estacionado na vaga de deficiente físico em frente ao prédio. Ele gargalhava da janela.
Checou o celular no semáforo do quarteirão seguinte.
Um recado: Tomorrow is a long time e o link do Bob Dylan.
Não mais se falaram; e amanhã ela não voltou.
Um comentário:
Crônica de um amor esgarçado; aflito. De fluxo e refluxo.
As portas que se fecham não deixam para trás apenas o suor, o sêmen e um corpo ofegante e satisfeito. Guardam a química do atemporal. Belo, belíssimo texto, minha cronista. Beijos, saúde e paz
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